Theresa Catharina de Góes Campos

  CARTA A UM COLEGA CINÉFILO

Seu depoimento , informativo e comovente, sobre a importância do cinema em nossa vida, mostrou que, ao longo da existência, vamos descobrindo, com o passar dos anos, o cerne da alma, naqueles com os quais convivemos.

O cinema nos dá mais esse presente...abrir os olhos para realidades e sentimentos mais profundos, perceber uma sensibilidade pouco óbvia, uma dimensão humana que está além do visível. Toda a dimensão de uma tomada panorâmica, mas no olhar bem mais próximo de um "close", ainda que nos "travellings " do roteiro, na tela ... e no pulsar, na respiração da vida.

Tão preciosa, a recordação de sua mãe, que levou você, recém-nascido com um mês de idade, para uma sessão de cinema, porque ela estava determinada, como pessoa amante da arte cinematográfica, a não abdicar desse prazer de apreciar um bom filme.

Um belo exemplo! Uma afirmação de personalidade. Uma atitude de quem acredita no valor criativo do registro cinematográfico para renovar as forças necessárias ao viver, no crescimento intelectual que se processa por meio do reconhecimento de emoções.

Nos dias atuais, seria bem mais fácil para ela, porque existe, desde anos recentes, em várias capitais do Brasil, nas principais redes cinematográficas, uma iniciativa de grande sucesso: a chamada "sessão materna " semanal, especialmente para que as mães, acompanhadas de seus bebês, possam assistir a filmes com o máximo de conforto e apoio.

Muito obrigada por me escrever, afirmando ter gostado do meu poema " No Cinema, todos os dias ".

Nos versos simples, penso que resumi a experiência maravilhosa - e repetida - de uma realidade pessoal em que o cotidiano se torna enriquecido graças ao humanismo expresso e refletido na estética da arte cinematográfica.

De fato, ARTE E VIDA SE ENTRELAÇAM - você está coberto de razão, estimado colega Vivaldo.

Pensamos, ambos, exatamente o mesmo, porque vida e cinema se confundem, como se reproduzem e se refletem, todas as manifestações artísticas e a vida, cujas fronteiras praticamente não existem - são abertas, interligadas por uma reciprocidade filosófica e pragmática. Por isso não podemos separar o cinema da vida. Nem por teoria.

Mergulham um no outro, têm rosto duplo, recriando, de forma original, única, o mito do deus Janos (que deu origem ao nome do primeiro mês do ano - um rosto voltado ao passado, o outro, olhando o futuro...).

Arte e vida se confundem e se tornam "uma" no binômio fundamental, transformando-se numa realidade integrada, até no que parece ficcional, lendário, simbólico ou fantasioso, talvez absurdo ( quando seria absurdo, em que momento ou espaço...ou até quando?! ) , inclusive nas metáforas, nas paisagens desconhecidas, nos retratos íntimos, insólitos, nos contextos não-identificados. Como negar essa convivência, os laços afetivos entre as duas realidades, que se moldam ao mesmo tempo que se superam uma à outra nas utopias sonhadas, enquanto se influenciam e se tornam seminais?

É fácil constatarmos, conforme essas reflexões, que vida e cinema têm um casamento verdadeiramente indissolúvel. Porque pretender separar a arte da vida seria provocar uma falsa ruptura, ignorando ecos recíprocos, o que desqualificaria a existência humana em suas múltiplas facetas.

Theresa Catharina de Góes Campos
São Paulo-SP, 20 de fevereiro de 2012
 

Jornalismo com ética e solidariedade.