Theresa Catharina de Góes Campos

 
Reflexões Homiléticas para Março de 2012

Pe. Tomaz Hughes, SVD

E-mail: thughes@netpar.com.br

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SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA (04.03.12)

Mc 9, 2-10

“Este é o meu Filho bem-amado. Ouvi-O!

 

O texto de hoje vem logo após o diálogo com Pedro e os discípulos, na estrada de Cesareia de Filipe, sobre quem era Jesus e como deveria ser o seu seguimento: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e me siga” (Mc 8, 34). Começando essa passagem com as palavras “Seis dias depois”, Marcos quer ligar estreitamente o texto com a mensagem anterior sobre a cruz.

O texto destaca um aspecto de Jesus que é muito importante - o fato que Ele era um homem de oração. Durante a oração aparecem Moisés e Elias, símbolos da Lei e dos Profetas. Assim, Marcos mostra que Jesus está em continuidade com as Escrituras, isto é, o caminho que Jesus segue está de acordo com a vontade de Deus. Os dois personagens, tanto Moisés como Elias, eram profetas rejeitados e perseguidos no seu tempo - Marcos aqui vislumbra mais uma vez o destino de Jesus, de ser rejeitado, mas também de ser vindicado por Deus.

Pedro, ao despertar do sono, faz uma sugestão descabida: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias” (v. 5). Claro, seria bom ficar ali; É um momento místico, longe do dia-a-dia, da caminhada, das dúvidas, dos desentendimentos, da luta. Mas, é uma sugestão que Jesus não pode aceitar, pois seria uma fuga da sua missão de Servo de Javé. Terminado o momento de revelação, “Jesus estava sozinho” e em seguida “desceram da montanha” (v. 9). Por tão gostoso que possa ser ficar no Monte, é preciso descer para enfrentar o caminho até o Monte Calvário! A experiência da Transfiguração está intimamente ligada com a experiência da cruz! Talvez, foi a força da experiência do Monte Tabor que deu a Jesus a coragem necessária para aguentar a experiência bem dolorosa do Calvário!

Todos nós - seja qual for a nossa vocação - precisamos de momentos de oração profunda, de união especial com Deus. Mas, essas experiências não são “intimistas” - nos aprofundam a nossa fé e o nosso seguimento para que possamos seguir o exemplo d’Ele que lavou os pés dos discípulos: “Eu, que sou o Mestre e o Senhor, lavei os seus pés de vocês; por isso, vocês devem lavar os pés uns dos outros” (Jo 13, 14). Também, esse trecho pode nos ensinar a valorizar os momentos de “Tabor”, os momentos de paz, de reflexão, de oração. Pois, se formos coerentes com a nossa fé, teremos muitas vezes de fazer a experiência de “Calvário”! Somos fracos demais para aguentar esta experiência - por isso, busquemos forças na oração, na Palavra de Deus, na meditação - mas sempre para que possamos retomar o caminho, como fizeram Jesus e os três discípulos! Para os momentos de dúvida e dificuldade, o texto nos traz o conselho melhor possível, através da voz que saiu da nuvem: “Este é o meu Filho bem-amado. Ouvi-o!” (v. 7). Façamos isso, e venceremos os nossos Calvários, como Jesus venceu, e mais tarde, os seus discípulos!

 

TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA (11.03.12)

João 2, 13-25

“Mas Ele falava do templo do seu corpo”

 

O nosso texto relata, na tradição do Quarto Evangelho, um dos eventos mais conhecidos na vida de Jesus - a expulsão dos vendedores do Templo. No Quarto Evangelho, esse evento está situado no início da Vida Pública de Jesus, enquanto no Evangelho mais antigo, Marcos, está situado no início da Semana Santa. Assim, os dois autores relatam o acontecido segundo o esquema dos seus escritos, mas ambos trazem uma mensagem bem clara - o que vai finalmente levar Jesus à morte é o seu conflito com as autoridades do Templo, que se sentiram ameaçadas no seu poder político, religioso e econômico pela pregação e atuação libertadora de Jesus, que revelava o verdadeiro rosto de Deus o e seu projeto de vida plena, ofuscados pelo ritualismo de exploração da classe sacerdotal de Jerusalém, aliada ao poder opressor romano. Para João, esse conflito estoura desde o início da vida pública. Para Marcos, o evento é a gota d’água que desencadeou o conluio que levaria Jesus à Cruz.

Na cena do texto, Jesus vai a Jerusalém para a primeira das três Páscoas mencionadas em João (nos Sinóticos - Mt, Mc, Lc - a vida pública de Jesus só durou um ano e eles só mencionam uma Páscoa). No Templo, que deveria ser o lugar do culto ao Deus verdadeiro da Bíblia, o Deus de libertação, o Deus dos pobres e sofridos, Ele encontra um verdadeiro mercado, onde, no pátio externo, era possível comprar os animais para os sacrifícios e trocar a moeda, uma vez que a moeda corrente do país não era aceita no Templo. Quando atacava esse comércio, Jesus estava indo além da mera condenação de um abuso. Pois os animais e o câmbio eram necessários para o funcionamento do Templo. Como Jesus substituiu a purificação dos judeus no sinal das bodas de Caná, aqui Ele demonstra que o centro do culto judaico perdeu o seu sentido. Pois, a presença de Deus, antes achada no Templo, agora deturpado pela elite religiosa e política, doravante reside em Jesus, o Filho de Deus encarnado. Ele cumpre as profecias de Jeremias e Zacarias que predisseram uma religião sem templo nacionalista, explorador econômico do povo (Jr 7, 11-14; Zc 14, 20-21).

João entende que o verdadeiro templo é o corpo de Jesus, que será ressuscitado em três dias - ele usa de propósito o verbo “reerguer” em lugar do “reconstruir” dos Sinóticos (Mt 26, 61). As autoridades judaicas destruíram o sentido do Templo, abusando do povo economicamente, como vão destruir o corpo de Jesus, matando-o; mas Jesus tem o poder de reerguer o verdadeiro Templo onde habita Deus, na ressurreição, depois de três dias.

Mais uma vez Jesus, através de uma ação profética, desmascara a deturpação da religião por parte das autoridades de Jerusalém. Embora o templo fosse muito bonito e imponente, com liturgias pomposas bem frequentadas, a sua religião era vazia, pois escondia o rosto amoroso e misericordioso de Deus. As igrejas sempre correm este mesmo risco. Além da descarada exploração financeira dos seus fiéis por parte de algumas seitas (cuidemos para não generalizarmos aqui e evitemos que a mesma coisa aconteça na nossa Igreja!), aos poucos muitas comunidades cristãs perderam a sua dimensão profética de denúncia e anúncio, configurando-se ao mundo neo-liberal de consumismo e gratificação emocional imediata, tornando o Evangelho uma mercadoria a ser vendida através de um marketing, que jamais pode questionar os valores da sociedade vigente. Como escreveu alguns anos atrás o Frei Beto, a religião assim “brilha sob as luzes da ribalta, trocando o silêncio pela histeria pública, a meditação pela emoção, a liturgia pela dança aeróbica. Na esfera católica, torna o produto mais palatável, destituindo-o de três fatores fundamentais na constituição da Igreja, mas inadequados ao mercado: a inserção dos fiéis em comunidades, a reflexão bíblico-teológica e o compromisso pastoral no serviço à justiça. As homilias se reduzem a breves exortações que não incomodam as consciências” (Estadão 03.11.99).

Assim, o texto de hoje nos traz um alerta - Jesus não veio compactuar com uma religião exploradora, alienadora e aliada ao poder, mas para encarnar as opções do Deus Javé, libertador dos males e de toda exploração; ele veio “para que todos tenham a vida e a vida em abundância” (Jo 10, 10). Uma religião que abandona a sua função profética é tão traidora quanto a religião decadente das elites do Templo. Nos últimos anos, as vozes de Bento XVI, do Arcebispo Desmond Tutu, do Dalai Lama e de outros líderes religiosos soaram profeticamente ao redor do mundo, lembrando-nos que a religião não se confina à sacristia, mas tem que levar à prática dos princípios do Reino, que se recusa a legitimar o derramamento de sangue em troca de petróleo ou minérios.

A Campanha da Fraternidade 2012 convoca todos os cristãos para que recuperem essa dimensão profética na luta em favor de um adequado sistema de saúde pública com o tema “Fraternidade e Saúde Pública” e o lema “Que a saúde se difunda sobre a terra”. Aproveitemos do “tempo oportuno” que é a Quaresma para reavaliar a nossa prática religiosa, para que não caia na desgraça do Templo - de ser bonita, atraente e emocionante, mas vazia de sentido.

 

QUARTO DOMINGO DA QUARESMA (18.03.12)

Jo 3, 14-21

“Deus enviou o seu Filho ao mundo não para julgá-lo, mas para que seja salvo por Ele”

 

Podemos dizer que o texto de hoje inclui uns versículos (vv. 16-21) que podem ser entendidos como resumo de todo o Evangelho de João. Inclui também muitas referências ao Antigo Testamento e ao pensamento judaico da época.

Inicia-se com a primeira de três frases em João sobre o “levantar” do Filho do Homem, aqui usando paralelismo com a serpente de bronze de Nm 21, 1-9. O termo “levantado” refere-se tanto ao ser elevado na cruz como ao ser levantado aos céus. A Cruz é o primeiro passo na volta de Jesus ao Pai.

A parte central do texto insiste no infinito amor do Pai pelo mundo. Mais uma vez cumpre reconhecer que o termo “mundo” tem diversos sentidos em João. Muitas vezes refere-se às forças opostas a Jesus, e, portanto tem uma conotação altamente negativa. Aqui se refere à criação de Deus, o universo, com uma conotação positiva. Infelizmente nos dias de hoje, muitos adeptos das religiões veem o mundo como algo negativo e pecaminoso - frequentemente justificando-se com uma interpretação errônea de João e assim criando uma religião dualista, onde o “espiritual” é santo enquanto o “material” é pecaminoso. Assim, o mundo se torna mais o domínio do demônio do que de Deus e cria-se uma religião de alienação e fuga das realidades terrestres. Tal visão deve-se mais a certas religiões pagãs do que à mensagem do Evangelho.

A missão de Jesus não é de condenar, mas de salvar. Porém a própria presença de Jesus já constitui um julgamento, pois exige uma tomada de posição da parte de cada um. Para o judaísmo, e muitos escritos do Novo Testamento, o juízo deve acontecer no fim da história; mas, para João se dá quando alguém se encontra na presença de Jesus e conscientemente recusa a sua mensagem. O termo que a teologia usa para essa visão é “escatologia realizada”. Na visão de um mundo dividido entre luz e trevas, há paralelos com os documentos do Mar Morto, provavelmente da seita dos Essênios.

O cerne da questão é crer ou não em Jesus. Mas, é importante lembrar que “crer” não é somente um exercício intelectual de aceitar que algo seja a verdade. “Crer” é assumir o projeto de vida de Jesus, é seguir nas suas pegadas. É fazer as suas opções concretas, ou melhor, de agir como Ele agiria se estivesse entre nós hoje. Como será que Jesus agiria diante dos escândalos e crises que assolam o nosso mundo? Que posição tomaria diante da acumulação de bens e terras nas mãos de poucos? O que faria diante da questão da reforma agrária, ou da destruição do meio-ambiente? O que diria diante do sofrimento de milhões de desempregados na crise atual econômico-financeira, criada por gananciosos que não sofrem as consequências da sua sede sem limites de lucro?. “Crer” n’Ele não é afirmar teses teológicas, mas seguir na prática esse Jesus de Nazaré que se colocou sempre ao lado dos excluídos.

É bom notar que Jesus, enfatizando nessa seção a necessidade do nascimento novo espiritual (estamos ainda no discurso diante de Nicodemos) nega a importância de nascer fisicamente no Povo Eleito - mais uma vez, como em Caná e no Templo (2, 1-11.13-22), Jesus substitui um dos pilares do judaísmo da sua época!

Estamos em plena Campanha da Fraternidade, procurando criar um novo mundo onde todos tenham acesso ao cuidado de saúde - lutando pela luz contra as trevas! Agir “segundo a verdade” (v. 21) significa fazer o bem. Quem luta pelo bem, pela vida, contra a exclusão, realmente “crê” em Jesus, seja qual for a sua confissão religiosa, e “não é condenado” (v. 18). Quem não faz essa opção, opta então pelas trevas, mesmo que professe de uma maneira ortodoxa as teses da fé, mas realmente “não crê no nome do Filho Único de Deus” (v. 18). Ninguém escapa de fazer essa opção concreta, pelo bem ou pelo mal, pela luz ou pelas trevas, pelo Reino ou pelo anti-Reino! É pelos frutos que se conhece a árvore! A Quaresma nos convida para revermos as nossas opções de uma maneira sincera.

 

QUINTO DOMINGO DA QUARESMA (25.03.11)

Jo 12, 20-33

“Se alguém quer servir a mim, que me siga!”

 

O texto de hoje traz muitos elementos que têm eco nos textos sinóticos. Até uma leitura rápida vai trazer lembranças dos seus textos sobre o seguimento de Jesus, p. ex. Lc 9, 22-25: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e me siga”, entre outros. João faz uma redação conforme a sua teologia e enfatiza que o seguimento de Jesus se dá no serviço a Ele, ou seja, na luta em favor do seu projeto. Todo o Evangelho de João manifesta que o serviço a Jesus se dá no serviço aos irmãos e irmãs. Não é possível servir Jesus sem se colocar ao serviço dos outros, especialmente dos mais sofridos. Pois, o projeto de Jesus de fidelidade ao Pai vai lhe custar a vida - Ele será como “o grão do trigo que, se não cai na terra e não morre, fica sozinho; mas, se morrer, produz muito fruto” (v. 24). Não que Jesus quisesse a morte e o sofrimento, mas são inerentes no seguimento do projeto do Pai - e apesar das aparências, não levam à derrota, mas à vitória. Jesus não veio para ser triunfalista, mas para dar a vida em favor de muitos.

Essa visão que Jesus tinha da missão do Messias não era a comum - em geral as pessoas daquele tempo esperavam um messias triunfante, glorioso e guerreiro. A Bíblia nos conta que Deus criou o homem e a mulher na sua imagem e semelhança; mas, na verdade, nós muitas vezes criamos Deus em nossa imagem e semelhança, para que Ele não nos incomode. A nossa tendência é de querer vencer e nos impor, de seguir um messias triunfante, e não o Servo Sofredor. Mas, para Jesus, não há meio-termo. O discípulo tem que andar nas pegadas do seu mestre: “Se alguém quer servir a mim, que me siga” (v. 26).

O seguimento de Jesus leva à cruz; pois, a vivência das atitudes e opções d’Ele vai nos colocar em conflito com os poderes contrários ao Evangelho. Mas é importante compreender o sentido de “carregar a cruz”. Não é aguentar qualquer sofrimento. Se fosse assim, a religião seria masoquismo! Carregar a cruz é viver as consequências de uma vida coerente com o projeto do Pai, manifestado em Jesus. Segui-Lo não é tanto fazer o que Jesus fazia na sua época e situação social e cultural, mas o que Ele faria se estivesse aqui hoje, diante dos desafios da nossa sociedade, convivência e situação concreta. Isso o levou a ser assassinado, não pelo povo, mas por grupos de interesse bem claros, “os anciãos, os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei”, (a elite dominante em termos econômicos, religiosos e ideológicos), e, do mesmo jeito, os seus seguidores entrarão em conflito com os grupos que hoje representam os mesmos interesses dos oponentes de Jesus, sejam eles sócio-políticos, econômicos ou religiosos - normalmente tudo vem misturado! Por isso, sempre haverá a tentação de criarmos um Jesus “light”, sem grandes exigências, limitado a uma religião intimista e individualista, sem consequências sociais, políticas, econômicas ou ideológicas. Seria cair na tentação de Pedro, conforme o relato Sinótico, quando rejeitava o seguimento de um Messias Sofredor (Mc 8, 32).

Mas, que Jesus queremos seguir? A resposta se dará não tanto com os lábios, mas com as mãos e os pés. Respondemos quem é Jesus para nós, pela nossa maneira de viver, pelas nossas opções concretas, pela nossa maneira de ler os acontecimentos da vida e da história. Tenhamos cuidado com qualquer Jesus que não seja exigente, que não traz consequências sociais, que não nos engaja na luta por uma sociedade mais justa.

Fiquei triste há pouco tempo ao ouvir uma senhora que tinha deixado a Igreja Católica para aderir a uma Igreja da Teologia de Prosperidade, na verdade uma empresa multi-nacional, exclamar “agora achei o Jesus que eu queria”. Sem dúvida, o Jesus que ela queria, mas não o Jesus real! Pois o Jesus real, Jesus de Nazaré, o Jesus do Evangelho, não foi assim, e deixou bem claro: “Quem tem apego à sua vida vai perdê-la; quem despreza a sua vida neste mundo, vai conservá-la para a vida eterna” (v. 25). É claro que aqui se usa um semitismo - o contraste com o “apegar-se” é expresso no verbo “desprezar”- o que significa “amar menos”. Essa opção é difícil - embora João não relate a agonia no Horto, ele expressa a mesma realidade quando Jesus diz “estou perturbado” (v. 27). Mas, o Pai lhe deu força, como dará a quem faz a opção real pelo Reino, no seguimento de Jesus, no serviço aos irmãos e irmãs, na construção de uma sociedade, Igreja e comunidade sem exclusões, onde todos tenham a possibilidade de ter a dignidade e vida plena dos filhos e filhas de Deus e de cidadãos da sociedade.

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Pe. Tomaz Hughes, SVD

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