Theresa Catharina de Góes Campos

  DO NOSSO JEITO

Tereza Halliday – Artesã de Textos
terezahalliday

A maioria dos temas sugeridos por leitores para tratar neste espaço quinzenal revela que nos irmanamos em anseios: queremos a cidade e o mundo de um certo jeito, mas eles são de outro. Cremos que “do nosso jeito” é melhor, mais justo, mais decente. Então por que as coisas são de outro jeito que requer protestos, críticas, melhoramentos? Pergunta para filósofos e teólogos.

Se o mundo fosse como você e eu desejamos, caro leitor, as calçadas seriam transitáveis, os motoristas de todos os veículos seriam prudentes e bem educados, as vagas de estacionamento para deficientes seriam respeitadas, os pobres não precisariam de ir para a fila do atendimento médico de madrugada, a fim de pegar ficha. Moradores em condomínios seriam doutores em fraternidade, ninguém morreria por falta de comida ou de saneamento básico, políticos seriam verdadeiros servidores públicos, sem praticar corrupção, seja em Brasília, Dubai ou Londres. A educação pública seria de escol e os alunos que concluíssem o primeiro grau saberiam o que é “escol” e muitas outras palavras, que usariam com boa ortografia e sintaxe irrepreensível.

Mãe não daria esculacho em criança, puxando-a pela rua a fora em altos brados, mais para soltar a própria frustração do que para ensinar bom comportamento. Torcedor só iria a campo para vibrar de entusiasmo pelo seu time e não para agredir os torcedores do time adversário. Mulheres e homens só teriam os filhos que pudessem criar condignamente. Prisões seriam locais de oportunidade para o infrator melhorar como pessoa e cidadão. Casais não estragariam uma relação amorosa com cobranças desmedidas, atazanando o parceiro e esquecendo da paciência e do perdão. Se o mundo fosse do nosso jeito, batalhadores das causas “Não matar” e “Gentileza gera gentileza” se aposentariam por falta do que fazer. As pessoas não torceriam o nariz porque o outro é negro, nordestino, judeu, palestino, muçulmano, católico, evangélico, gay, ou pertencente a qualquer grupo que não seja “o delas”, sempre visto como o melhor e mais justo.

Se o mundo fosse do jeito que nós queremos, desapareceriam as profissões de policial, jornalista e psicoterapeuta. Ou, como diz um gaiato amigo meu: “Se o mundo fosse do nosso jeito, Tereza, seria uma chatice”. Talvez se chamasse Paraíso - aquele lugar mítico que jamais alguém encontrou na Terra, nem voltou do Além para contar. Brincadeira à parte, a maior contribuição para melhorar as coisas que nos causam indignação e desgosto, não é botar a boca no trombone do Facebook ou do jornal, é ser do jeito que gostaríamos que todo mundo fosse: “sereno, isento, fiel”, como na sábia “Sugestão”, de Cecília Meireles.
(Diário de Pernambuco, 30/07/2012).
 

Jornalismo com ética e solidariedade.