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								DO NOSSO JEITO 
								 
								Tereza Halliday – Artesã de Textos 
								terezahalliday 
								 
								A maioria dos temas sugeridos por leitores para 
								tratar neste espaço quinzenal revela que nos 
								irmanamos em anseios: queremos a cidade e o 
								mundo de um certo jeito, mas eles são de outro. 
								Cremos que “do nosso jeito” é melhor, mais 
								justo, mais decente. Então por que as coisas são 
								de outro jeito que requer protestos, críticas, 
								melhoramentos? Pergunta para filósofos e 
								teólogos.  
								 
								Se o mundo fosse como você e eu desejamos, caro 
								leitor, as calçadas seriam transitáveis, os 
								motoristas de todos os veículos seriam prudentes 
								e bem educados, as vagas de estacionamento para 
								deficientes seriam respeitadas, os pobres não 
								precisariam de ir para a fila do atendimento 
								médico de madrugada, a fim de pegar ficha. 
								Moradores em condomínios seriam doutores em 
								fraternidade, ninguém morreria por falta de 
								comida ou de saneamento básico, políticos seriam 
								verdadeiros servidores públicos, sem praticar 
								corrupção, seja em Brasília, Dubai ou Londres. A 
								educação pública seria de escol e os alunos que 
								concluíssem o primeiro grau saberiam o que é 
								“escol” e muitas outras palavras, que usariam 
								com boa ortografia e sintaxe irrepreensível. 
								 
								Mãe não daria esculacho em criança, puxando-a 
								pela rua a fora em altos brados, mais para 
								soltar a própria frustração do que para ensinar 
								bom comportamento. Torcedor só iria a campo para 
								vibrar de entusiasmo pelo seu time e não para 
								agredir os torcedores do time adversário. 
								Mulheres e homens só teriam os filhos que 
								pudessem criar condignamente. Prisões seriam 
								locais de oportunidade para o infrator melhorar 
								como pessoa e cidadão. Casais não estragariam 
								uma relação amorosa com cobranças desmedidas, 
								atazanando o parceiro e esquecendo da paciência 
								e do perdão. Se o mundo fosse do nosso jeito, 
								batalhadores das causas “Não matar” e “Gentileza 
								gera gentileza” se aposentariam por falta do que 
								fazer. As pessoas não torceriam o nariz porque o 
								outro é negro, nordestino, judeu, palestino, 
								muçulmano, católico, evangélico, gay, ou 
								pertencente a qualquer grupo que não seja “o 
								delas”, sempre visto como o melhor e mais justo. 
								 
								Se o mundo fosse do jeito que nós queremos, 
								desapareceriam as profissões de policial, 
								jornalista e psicoterapeuta. Ou, como diz um 
								gaiato amigo meu: “Se o mundo fosse do nosso 
								jeito, Tereza, seria uma chatice”. Talvez se 
								chamasse Paraíso - aquele lugar mítico que 
								jamais alguém encontrou na Terra, nem voltou do 
								Além para contar. Brincadeira à parte, a maior 
								contribuição para melhorar as coisas que nos 
								causam indignação e desgosto, não é botar a boca 
								no trombone do Facebook ou do jornal, é ser do 
								jeito que gostaríamos que todo mundo fosse: 
								“sereno, isento, fiel”, como na sábia 
								“Sugestão”, de Cecília Meireles. 
								(Diário de Pernambuco, 30/07/2012). | 
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