Theresa Catharina de Góes Campos

  DESCOMPASSO DAS MARCHAS

Tereza Halliday – Artesã de Textos

Sou a favor de todas as marchas do Bem: para Jesus, a Virgem Maria e Iemanjá; pelo respeito às diferenças, pela preservação da flora, fauna e cursos d´água; em prol dos direitos humanos e pelos deveres humanos, mesmo que ninguém tenha se lembrado de fazer uma marcha em defesa dos importantíssimos deveres humanos.

O que eu votaria contra, se me dessem a oportunidade de um plebiscito ou referendum, é a realização de qualquer marcha na Av. Boa Viagem, pelos motivos que a APBS (Associação dos Moradores do Pina, Boa Viagem e Setúbal) tem apontado incansavelmente: sofrimentos para cidadãos – moradores ou não, devido ao trânsito travado; ambulâncias e carros de bombeiros sem acesso aos chamados, com a avenida e cercanias abarrotadas de gente e veículos; médicos sem poder chegar a hospitais a tempo de realizar cirurgias urgentes, familiares impedidos de prestar assistência a parentes idosos; excesso de ruído e lixo, apesar da organização cuidadosa do policiamento e da limpeza urbana pós-evento. Marcha com veículos gigantescos de enormes pneus, enormes palcos ambulantes, enormes vibrações sonoras capazes de rachar vidros e danificar tímpanos, perde a legitimidade.

Entre as sugestões de outros locais para realizar essas marchas, está o bairro do Recife Antigo, com avenidas não residenciais (salvo raros moradores), amplo pátio - o Marco Zero - e vias de entrar e sair do bairro enquanto o evento ocorre. O assunto é “quente” e delicado. Quase fui acusada de ser contra Cristo, por lamentar dois transtornos na orla de Boa Viagem num mesmo fim de semana: a marcha para Jesus, organizada por membros de igrejas evangélicas e a marcha da diversidade, promovida pelos que combatem o preconceito e a violência contra gays, lésbicas e transexuais. Jesus e o combate a quaisquer preconceitos e violências merecem louvores. Mas não há distinção nem louvor para militantes, mesmo das mais nobres causas, se a marcha motivada por elas tem consequências danosas, como as citadas acima.

Desconfio que os participantes desses macroeventos insistem na Av. Boa Viagem porque têm a missão de convencer o mar, conseguir a adesão de Netuno. Tentam chamar a atenção das águas, senão a marcha não chega à apoteose. Precisam garantir que as mensagens de apoio ou protesto cheguem aos céus e ao mar. E, como não têm certeza de onde ficam os ouvidos do oceano (quem sabe, estão nas praias da Austrália?), tome trio elétrico! Péssimo para mim, que também voto pela eliminação de trios elétricos em qualquer evento, inclusive o carnaval! Pois é, uma carnavalesca a dispensar trios elétricos e bendizer orquestras e orquestrinhas de frevo, derramando som natural e inebriante. Mas isto é assunto para outra conversa. (Diário de Pernambuco, 24/09/2012).
 

Jornalismo com ética e solidariedade.