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FENAJ
Condições de trabalho15/03/2013 | 15:18
Clima de horror nas redações
Clima de horror nas redações
*Luciano Martins Costa
Tem grande repercussão nas redes sociais a
reportagem publicada na segunda-feira (11/3)
pelo Portal Imprensa(ver aqui) sobre o aumento
dos casos de depressão, infidelidade conjugal e
uso abusivo de drogas e álcool entre
profissionais de jornalismo. O estudo foi
realizado pelo doutor em Psicologia José Roberto
Heloani, da Unicamp, cobrindo um período de dez
anos.
Segundo o pesquisador, na última década os
jornalistas brasileiros se tornaram mais
sujeitos a pressão por causa de circunstâncias
de trabalho, tornando-se mais vulneráveis a
assédio moral e sexual, além de outras condições
capazes de produzir desequilíbrio emocional e
doenças mentais. No período mais recente de seu
estudo, Heloani trabalhou com uma amostragem de
250 jornalistas, analisando aspectos de suas
vidas como saúde mental, identidade e
subjetividade e resiliência a situações
estressantes. Ele encontrou um grande número de
profissionais trabalhando em estados de
pré-exaustão ou exaustão na maioria das
redações.
A concentração da propriedade dos meios de
comunicação, que torna crucial a aceitação de um
jornalista no restrito e concorrido mercado da
imprensa, o transforma em um indivíduo passivo
diante de circunstâncias indignas de trabalho.
“No Brasil, há seis grandes grupos de
comunicação. Você precisa ter muita coragem para
fazer uma denúncia formal de assédio se quiser
permanecer no mercado. A pessoa pode até pensar
em mudar de área, ir para assessoria ou área
acadêmica, mas nenhuma alternativa é fácil”,
resume o pesquisador.
O uso de drogas aumentou cerca de 25% no período
estudado, como uma das consequências das
condições opressivas de trabalho. Em função das
longas e extenuantes jornadas, muitos dos
entrevistados também relatam dificuldades de
relacionamento, insegurança e medo de tomar
decisões. Essa realidade, confrontada com a
imagem idealizada da profissão, produz uma
sensação geral de vulnerabilidade e frustração,
que levam aos casos de depressão.
Do assédio ao crime
Co-autor do livro Assédio moral no trabalho
(Editora Cengage), com Maria Ester de Freitas e
Margarida Silveira Barreto, Heloani tem grande
experiência no estudo de processos de
expropriação da dignidade no ambiente de
trabalho. Um de seus ensaios, publicado em 2004
(ver aqui), relata o processo em que, submetido
a constante assédio moral e depreciação, o
trabalhador acaba por emular a personalidade que
lhe é atribuída, com a consequente redução de
sua autoestima e de suas ambições profissionais
e pessoais. Essa foi a circunstância encontrada
por ele no acompanhamento de três grupos
diferentes de jornalistas, o primeiro formado em
2003 por profissionais atuando no eixo Rio-São
Paulo.
Heloani considera que o fato de os profissionais
de imprensa terem que enfrentar,
progressivamente, mais desafios e complexidades,
por exemplo, com a exigência de desenvolver
habilidades multifocais, agrava a situação. No
primeiro grupo estudado, ele não encontrou
tantos casos de estresse patológico grave, mas
nos grupos acompanhados mais recentemente sua
pesquisa revelou a presença de profissionais
debilitados, extenuados, muitos recorrendo a
drogas lícitas e ilícitas para suportar o ritmo
de trabalho.
Interessante observar que, tendo sido publicada
na segunda-feira (11), a pesquisa não despertou
interesse nos grandes grupos de comunicação,
justamente os lugares que concentram o problema.
Há vinte anos ou mais, essas empresas tinham
comissões internas de qualidade no trabalho, com
programas de prevenção que protegiam os
jornalistas dos riscos mais comuns da profissão.
Com o fim da exigência do diploma específico
para o exercício do jornalismo e o desmanche das
atividades sindicais, as redações ficaram
submetidas ao arbítrio de editores e diretores
nem sempre habilitados para a gestão de pessoas.
Os casos de assédio se multiplicam mas não são
relatados publicamente, porque as vítimas têm
medo de perder o emprego e entrar numa lista
negra dos grandes jornais. O mais grave deles se
transformou em escândalo com o assassinato da
jornalista Sandra Gomide pelo ex-diretor de
redação do Estado de S. Paulo.
O episódio sangrento, que evoluiu do assédio ao
homicídio, é minuciosamente investigado no livro
Pimenta Neves – Uma reportagem (Editora
Scortecci), de autoria de Luiz Octávio Lima,
lançado na semana passada em São Paulo.
O estudo de José Roberto Heloani mostra que esse
crime covarde não ensinou nada às redações.
*Jornalista
Publicado no Observatório da Imprensa em
13/03/2013 |
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