Theresa Catharina de Góes Campos

 
MÃO DE OBRA AVOADA
 
Tereza Halliday – Artesã de Textos
 
Amigos, conhecidos e parentes têm a mesma história para contar: lustra-móveis, flanelas de limpeza e mesmo o aspirador de pó são deixados em lugares insólitos e variados pela casa  afora, ao fim do expediente das diaristas/faxineiras.  Arranjei uma fita colorida com a qual envolvo num bonito laço, o lustra-móveis esquecido na sala. Disse à minha auxiliar que ele, assim, torna-se peça de decoração. Ela riu, meio sem jeito, mas repete regularmente o esquecimento. Trabalhando com a cabeça cheia de problemas pessoais e familiares, que são muitos, consolando-se com músicas românticas ou evangélicas nos fones de ouvido, diaristas e mensalistas dão exemplo da mão de obra avoada que encontramos a cada prestação de serviço.  É o pintor avoado que esquece de pedir jornal velho para forrar o chão, antes de manusear o pincel. É o pedreiro avoado que usa uma tábua envernizada, encontrada na casa e, sem perguntar se pode usá-la, faz cimento em cima dela. (A tábua era para um trabalho de artesanato). É o porteiro avoado que, ao ajudar a fechar um portão de garagem enguiçado, celular numa mão, controle remoto na outra, fecha o portão exatamente em cima do carro que estava descendo a rampa.
 
Na entrada do clube militar onde faço hidroginástica, um porteiro (terceirizado e avoado) já não responde ao meu “Boa Tarde”, entretido que está na telinha do seu celular. Sua função é deter pessoas estranhas e pedir identificação. Já sou velha conhecida, mas se ele nem me vê passar, meu vulto não notado poderia ser de alguém adentrando o recinto para furtar ou assaltar. Num galpão de peças para telefone sem fio, em São Paulo, funcionário avoado recebeu minha encomenda, com número de referência do modelo da peça anotado pelo técnico, no formulário. Enviou a peça errada. Custou-me seis viagens ida e volta à assistência técnica no Recife, em trânsito penoso e vendo horas de meu trabalho afanadas, sem reposição.
 
 Tarefas achavascadas, serviços abaldeiros em residências e empresas são frutos de um avoamento que antecede a era das comunicações eletrônicas e digitais e tem se acentuado com elas. Segundo meu consultor sociológico, “O Brasil é um país de avoados”. O adjetivo “avoado” aparece em dois grandes dicionários brasileiros com os seguintes significados: “aquele que está ou vive distraído” (Houaiss) e “que anda com a cabeça no ar, tonto, adoidado, confuso” (Aurélio). O estado da nossa mão de obra, com as sempre honrosas exceções, é registrado contundentemente, no Dicionário de Pernambuquês (Ed. Bagaço), onde se lê: “avoado – descompromissado, irresponsável”. Coisa que não se escreve em carta de recomendação.
 
  Mão de obra avoada tem jeito? Talvez a Copa do Mundo no Brasil, em 2014, vá resolver isto também.  (Diário de Pernambuco, 17/6/2013)
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"Se avexe não. Amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada"
(Accioly Neto)
(Avexar - forma nordestina de vexar, significando apressar-se, afligir-se)
 

Jornalismo com ética e solidariedade.