MÃO DE OBRA AVOADA
Tereza Halliday –
Artesã de Textos
Amigos, conhecidos e
parentes têm a mesma história para
contar: lustra-móveis, flanelas de
limpeza e mesmo o aspirador de pó são
deixados em lugares insólitos e variados
pela casa afora, ao fim do expediente
das diaristas/faxineiras. Arranjei
uma fita colorida com a qual envolvo num
bonito laço, o lustra-móveis esquecido
na sala. Disse à minha auxiliar que ele,
assim, torna-se peça de decoração. Ela
riu, meio sem jeito, mas repete
regularmente o esquecimento. Trabalhando
com a cabeça cheia de problemas pessoais
e familiares, que são muitos,
consolando-se com músicas românticas ou
evangélicas nos fones de ouvido,
diaristas e mensalistas dão exemplo da
mão de obra avoada que encontramos a
cada prestação de serviço. É
o pintor avoado que esquece de pedir
jornal velho para forrar o chão, antes
de manusear o pincel. É o pedreiro
avoado que usa uma tábua envernizada,
encontrada na casa e, sem perguntar se
pode usá-la, faz cimento em cima dela.
(A tábua era para um trabalho de
artesanato). É o porteiro avoado que, ao
ajudar a fechar um portão de garagem
enguiçado, celular numa mão, controle
remoto na outra, fecha o portão
exatamente em cima do carro que estava
descendo a rampa.
Na entrada do clube
militar onde faço hidroginástica, um
porteiro (terceirizado e avoado) já não
responde ao meu “Boa Tarde”, entretido
que está na telinha do seu celular. Sua
função é deter pessoas estranhas e pedir
identificação. Já sou velha conhecida,
mas se ele nem me vê passar, meu vulto
não notado poderia ser de alguém
adentrando o recinto para furtar ou
assaltar. Num galpão de peças para
telefone sem fio, em São Paulo,
funcionário avoado recebeu minha
encomenda, com número de referência do
modelo da peça anotado pelo técnico, no
formulário. Enviou a peça errada.
Custou-me seis viagens ida e volta à
assistência técnica no Recife, em
trânsito penoso e vendo horas de meu
trabalho afanadas, sem reposição.
Tarefas achavascadas,
serviços abaldeiros em residências e
empresas são frutos de um avoamento que
antecede a era das comunicações
eletrônicas e digitais e tem se
acentuado com elas. Segundo meu
consultor sociológico, “O Brasil é um
país de avoados”. O adjetivo “avoado”
aparece em dois grandes dicionários
brasileiros com os seguintes
significados: “aquele que está ou vive
distraído” (Houaiss) e “que anda com a
cabeça no ar, tonto, adoidado, confuso”
(Aurélio). O estado da nossa mão de
obra, com as sempre honrosas exceções, é
registrado contundentemente, no
Dicionário de Pernambuquês (Ed. Bagaço),
onde se lê: “avoado – descompromissado,
irresponsável”. Coisa que não se escreve
em carta de recomendação.
Mão
de obra avoada tem jeito? Talvez a Copa
do Mundo no Brasil, em 2014, vá resolver
isto também. (Diário
de Pernambuco, 17/6/2013)