Theresa Catharina de Góes Campos

  DOMINGO TERAPÊUTICO

Tereza Halliday – Artesã de Textos

Alguns médicos e psicoterapeutas “descobriram a pólvora”: recomendam
reservar um dia por semana, sem trabalho nem perturbações, como
terapia para os exauridos e estressados. Uma prática de higiene da
alma, embutida há milhares de anos na observância religiosa do shabbat
judaico e do domingo cristão. “Santificar” um dia para recuperar
energias físicas e espirituais tornou-se recomendação de saúde.

Infelizmente, estamos habituados a tratar o domingo como um contêiner
que tem de ser enchido até a borda com atividades, diversões,
convivência barulhosa. Esta prática distorce um das funções
terapêuticas do dia de descanso: desacelerar. Curtir o dia, mas sem
ceder às pressões do marketing de entretenimento, ou do grupo de
amigos para participar do que quer que seja, a não ser que você esteja
realmente “a fim”. Desfazer-se da noção deletéria de que não fazer
nada, uma vez por semana, é uma perda de tempo. É legal preguiçar.
Precisamos desse tempo de qualidade para tratar feridas e calos
provocados pelas cobranças diárias no desempenho de tantas funções.
Nem que seja por apenas 12 horas semanais – metade de um dia para
restaurar a força interior, no silêncio e na atenção às pequenas
coisas que desaprendemos a curtir: cheiros, cores, sabores, texturas,
sons naturais, música - violão, flauta, pandeiro, sem microfone,
pode! Tomar banho sentindo a água e o sabonete, dançar no meio da
casa, atentar para o vapor emitido pela chaleira, os dedos das mãos se
mexendo, o ritmo da respiração.

O domingo deveria ser dia de recolhimento para religiosos e não
religiosos. Pausa para desintoxicar-se das tecnologias do trabalho e
do lazer: TV, computador, sistemas de som, pluguezinhos de ouvido,
telinhas diversas que respondem ao toque dos dedos. Os pais se
desprendam da compulsão de levar os filhos a algum lugar para
distrai-los, porque durante a semana não houve tempo para sair com
eles. Fiquem com eles! Somente isto. Façam coisas juntos em casa,
deem uma volta a pé, leiam um livro de papel. Conversem, joguem,
brinquem, sem i-pads, i-phones, mouses e controles remotos de permeio
- olho no olho, voz ao vivo, abraços. Nem que seja apenas uma vez por
semana!

O domingo terapêutico nos chama a prestar atenção à mudança de formato
das nuvens, os tons da água do mar, lagoa ou rio, acompanhar com o
olhar uma fileira de formigas, deter-se nos detalhes das folhas de
plantas e árvores ao redor. A Natureza acontecendo e nós nem-nem...
justamente por estarmos assoberbados, dispersos, de cabeça entulhada e
reféns das expectativas dos outros, inclusive dos promotores de
eventos. Não admira que sejamos adoecidos pela falta de contato com a
Natureza e conosco mesmos. Entre as reivindicações, um dia de
descanso sossegado, para higienização da mente, alma e espírito. Tão
simples, tão nutritivo e reparador!
(Diário de Pernambuco, 26/8/2013)

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"Se avexe não, amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada.
(Accioly Neto)
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Avexar-se - forma popular nordestina de vexar-se: apressar-se. afligir-se.

 

Jornalismo com ética e solidariedade.