Theresa Catharina de Góes Campos

   

MANOEL BANDEIRA – NA PONTA DO LÁPIS DA MEMÓRIA
Tereza Halliday – Artesã de Textos

O historiador Leonardo Dantas Silva sugeriu-me compartilhar lembranças de Manoel Bandeira, enfurnadas no baú da infância. Finalmente, o tema “clicou” e deu texto. Se é Manoel com “o”, não se trata do poeta Manuel com “u”- mas, sim, do desenhista e pintor, que honrou as artes gráficas e deu marcante contribuição à memória arquitetônica e social do Nordeste. Dele disse o poeta: “Xará, o batuta é você!”.

Minha mãe, ainda solteira, e minha avó viúva foram vizinhas do casal Manoel/Emma Bandeira, primeiramente, na rua do Riachuelo: “Tornamo-nos muito amigos. Nesse tempo seu Bandeira ocupava seus fins de semana desenhando ilustrações em bico de pena para livro de Gilberto Freyre” (relato de Mamãe). Graças a essa amizade, minha avó comprou, com desconto, a casa de número 904 à av. Visconde de Suassuna, em conjunto construído pelo engenheiro Eugênio Gudin, com plantas desenhadas por Manoel Bandeira. Os dois foram colegas de trabalho na Pernambuco Tramways. Seu Bandeira comprou a casa contígua, à direita. Juntas, formavam bela fachada uniforme, de altas janelas. Tornaram-se, literalmente, vizinhos parede-meia, pois a parede do terraço de trás não chegava ao teto, talvez para ventilação. Por essa abertura, minha avó ouviu, “no tempo da guerra”, acirradas discussões entre seu Bandeira e a filha Jacirema – de temperamento explosivo e brilhante pesquisadora do Instituto de Antibióticos. Divergindo sobre a Segunda Guerra Mundial, travavam batalhas verbais. O filho caçula, Ubirajara (Jarinha), casou-se e foi morar em Campina Grande, Pb.

Da casa de minha avó, eu fugia para o atelier de seu Bandeira, fascinada por seu ambiente de trabalho. Ele me punha no banco alto de uma de suas pranchetas, fornecia-me papel e lápis e se divertia com meus rabiscos. Também recebi carinhos de dona Emma, a esposa argentina, educada e devotadíssima ao marido. Eu a vi apontar para foto de uma moça linda e dizer, com os olhos marejados: “Esta fui eu”. O casal se tratava por “meu velho”, “minha velha”. Quando ele deixava escapar, na minha presença, alguma palavra impublicável, ela o admoestava: “Olha a criança, meu velho!” Anos mais tarde, só expirou em paz, ao ouvir, no leito de morte, o compromisso da filha de que cuidaria de seu “velho” com desvelo.

Como era seu Bandeira? Completamente calvo, voz forte, tez corada. Parece que estou vendo seu ato de assinar no canto dos desenhos: “M.Bandeira”. Dois de seus trabalhos foram emoldurados por meu pai para decoração em nossa casa. Inesquecíveis na profusão de detalhes: a cena de um engenho de açúcar, com carros de boi e o desenho de um sobrado colonial, mostrando o interior de cada um dos quatro andares da residência, com loja no térreo.

Manoel Bandeira (1900-1964) tem rua e escola com seu nome. Neste ano do cinquentenário de sua morte, mereceria outras homenagens. Para mim, ele foi mais que um grande artista: foi Seu Bandeira, o vizinho muito “legal”, que me dava atenção, mesmo sendo eu apenas uma pirralha curiosa.
(Diário de Pernambuco, 27/1/2014).


De: Elizabeth Barros
Data: 4 de fevereiro de 2014 21:38

Querida Tia Therezita, eu adorei este novo texto da Tereza Halliday.
Ela, como sempre, escreve muito bem. Beijos, de sua sobrinha, Elizabeth.

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De: Tereza Halliday
Data: 7 de fevereiro de 2014 22:40


Grata a Elizabeth pelas boas palavras de incentivo.
Tive a boa surpresa de receber e-mail de um neto de seu Bandeira, arquiteto, residindo no Recife. Eu não tinha ideia do paradeiro de seus descendentes.
Beijo, Tereza Lúcia.

 

 

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