Theresa Catharina de Góes Campos

  EM UMA ARANDELA, A ESTRELA REFUGIADA
(miniconto em verso e prosa)


Já no entardecer, ao titubear,
no gaguejar das penumbras
a sombra claudicante revela
os mistérios de uma arandela.


Trazida por mãos amigas, a peça antiga, em madeira, encontrada na simplicidade enriquecedora de um vilarejo que se esconde nas dobras do tempo, no interior de Minas Gerais. Todavia, a roca de fiar poderia vir de qualquer outro lugar, de outros endereços, sem nome de rua ou número de casa. Já foi popular. Uma presença comum, obrigatória, nos lares e nas fazendas de outrora.


Trêmula, uma arandela ilumina, na varanda, a roca de fiar.


Exibindo arabescos na estrutura metálica, esses recortes nas laterais da arandela revelam segredos, entrevistos nas aberturas dos desenhos...


Sofrendo de ansiedade, uma diminuta estrela se refugiou na arandela, ainda em pânico, depois que, surpreendida por uma experiência de explosão nuclear, ficou aterrorizada.Testemunha relutante, com medo de relatar, buscando esquecer o que viu. Hesita em depor sobre o que não consegue compreender.


Na varanda, a roca de fiar - iluminada
por uma pequena estrela atormentada -
foi colocada em posição privilegiada.


À sua frente, o que se vê faz bem aos olhos. Acredito que também pode trazer a cura emocional a quem escolheu continuar a brilhar, mesmo escondida.


No meu jardim terapêutico, imaginário, mas nem por isso menos verdadeiro, há um canteiro só de livros (os favoritos, os mais queridos, com anotações manuscritas e trechos sublinhados), ao lado de outro canteiro, exclusivo para cartas e bilhetes que considero importantes demais para serem jogados fora. Na estufa, estão protegidas as sementes dos projetos sonhados.


Em mais um outro recanto, ficam as fotos, trazendo as memórias do tempo veloz e fugidio. Nessas fotografias, as recordações visuais, evocadoras de instantes e rotinas, recuperadas pelo nosso olhar de carinho e saudade, fazendo voltar, para uma visita cordial, um "chá das cinco", os anos que se foram e, na realidade, não retornam mais . Depositários de sua herança, um tesouro impossível de contabilizar, somos herdeiros das lições de vida que nos deixaram.


Mais adiante, vivem as flores, em áreas separadas por espécie, cores e tamanhos; junto a uma incubadora espaçosa de lagartas, à espera do tempo certo para a metamorfose em borboletas. Para acompanhar o voo dos anjos, as borboletas abrirão as asas em voos coloridos.


Tudo parece organizado, no entanto, os vagalumes ignoram os limites dos canteiros, as restrições da estufa, exercendo a liberdade de movimentação, na espontaneidade da alegria com que percorrem o terreno.


Na contemplação da saudade,
sinto a bênção do vento em ação,
a espalhar o perfume das rosas.


Não consigo impedir, porém,
que o dinamismo da ventania
fragilize ainda mais, com vigor,
todas as flores ali cultivadas.


No ostracismo a que ficou relegada,
permanece em repouso a roca de fiar,
esquecida, a evocar outras épocas.


Uma imagem de ausências. De muitas arandelas. Sem estrelas refugiadas recebendo abrigo e proteção. Despertando, no entardecer do dia e nas alvoradas, o nosso respeito por uma luz que, em seu recolhimento,
nos ajuda a vencer as sombras para caminhar.


Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília - DF, 13 de fevereiro de 2014

De: Tereza Halliday
Data: 16 de fevereiro de 2014

Therezita:

Primeiro fui ao dicionário para aprender o que é arandela.
Depois percorri seu conto em verso e prosa, encantada com os canteiros, mais do que a estrela refugiada, esta em si, um primor.

Nesta manhã de domingo, ótimo passeio matutino em seu jardim e nas iluminações reveladas ou sugeridas.
Carinhoso abraço, Tereza Lúcia.

---------- Mensagem encaminhada ----------

De: Theresa Catharina de Goes Campos
Data: 17 de fevereiro de 2014

Estimada Tereza Lúcia:

Sinto-me feliz e grata a você pelo acolhimento ao meu pequeno conto.

A inspiração surgiu quando recebi, do amigo Walter Rodrigues Ferreira (webmaster de meus sites jornalísticos), uma arandela (estava escrito na caixa) como presente de aniversário.

Confesso que eu também desconhecia o significado da palavra "arandela", o que me fez recorrer ao dicionário.

Ao abrir a caixa, retirando o objeto, encantei-me com a lanterna antiga e a sonoridade lírica do vocábulo! Percebi que combinava bastante com uma de minhas palavras favoritas - estrela. Ambas - estrela e arandela - evocam luz. A partir dessa constatação, nasceu o texto.

Com amizade e carinho,
Therezita


De: Malu Perlingeiro
Data: 17 de fevereiro de 2014

Lindo! Miniconto inspirador.
Beijos e carinho,
Malu


De: Walter Ferreira
Data: 17 de fevereiro de 2014

Estimada Theresa Catharina,
A Senhora, como de costume, transformou algo simples em algo especial!
Abraços e parabéns pela grande sensibilidade,
Walter


De: Sonia Maria Ferraz Esposito
Data: 17 de fevereiro de 2014

Muito lindo! Obrigada,Theresa, seus textos são maravilhosos!
Abração,
Sonia*


De: Mathilde Maria Cota
Data: 18 de fevereiro de 2014

Obrigada, Therezita, pelo belíssimo miniconto. Imprimi para tê-lo sempre mais perto de minha cabeceira.
Mathilde Maria


De: artemis coelho
Data: 18 de fevereiro de 2014

Que lindo, Theresa! e achei muito legal a forma em verso e prosa. Gostei muito!
Artemis


De: Liman Pechliye
Data: 21 de fevereiro de 2014

Querida Catharina, amei o conto. Como sempre, você consegue me emocionar!
Espero que tudo esteja bem com você. Muita saudade.
Beijos e abraços,
Leman
 

 

Jornalismo com ética e solidariedade.