Theresa Catharina de Góes Campos

 
Figurinhas e figurões - Orlando Senna

De: bere bahia
Data: 23 de maio de 2014
Assunto: Enc: Orlando Senna - Figurinhas e figurões

Blog Refletor 23/05/2014 TAL-Televisión América Latina

http://refletor.tal.tv/ponto-de-vista/orlando-senna-figurinhas-e-figuroes

Figurinhas e figurões

As figurinhas do álbum da Copa do Mundo é uma febre no Brasil. É um sucesso na América Latina (li em algum lugar que é no mundo inteiro, não tenho certeza), mas no Brasil é um fenômeno de vendas como há décadas não se via no País do Futebol. Um ingrediente a mais em uma Copa com protestos populares contrários a ela, com poucas ruas enfeitadas de verde e amarelo (nas anteriores era uma profusão de pinturas e bandeiras) e com uma interrogação no ar sobre como será. Pela primeira vez na história das Copas não se sabe se o povo brasileiro vai curtir apaixonadamente sua seleção ou vai ficar frio com relação a ela ou vai enveredar pela politização do esporte das multidões. Nesse cenário, a febre das figurinhas acrescenta mais tinta à interrogação.

Sei que os álbuns de figurinhas, tão presentes nas minhas infância e adolescência, há muito perderam a popularidade que gozavam nas décadas de 1950 a 1970, embora continuassem a ser publicadas e consumidas em todas as Copas. O que eu não esperava era esse revival do interesse antigo exatamente na Copa do Brasil, contestada por vários movimentos sociais, pela oposição ao governo Dilma e por bandos baderneiros pelos gastos com estádios em detrimento a obras sociais e estruturais. Uma rejeição à Copa só aconteceu no Brasil em 1974 mas com caráter distinto, apenas político, sem nuances econômicas e sociais: uma desaprovação gerada pelo fato da ditadura da época estar tentando faturar as glórias e a popularidade dos jogadores, tricampeões mundiais na Copa de 1970. Na hora H o povo não entrou nessa, enfeitou as ruas e torceu por seu time.

Voltando à época de ouro 1950-1970 das figurinhas, lembro-me de dezenas de temas apresentados pelos álbuns: seleções, clubes e jogadores de futebol; atores e atrizes de Hollywood e da Chanchada brasileira; cantoras, cantores e apresentadores de rádio; bandeiras dos países. Uma coleção em particular foi importante na minha formação e era diferente de todas porque não era para colar, era no formato cartas de baralho. Isso porque os dois lados deviam ser usados, a figura de um lado e um texto explicativo atrás. Falo das Estampas Eucalol. O sabonete Eucalol era vendido em caixas com três unidades e três estampas. Alguns temas: Lendas do Brasil, A vida de Santos Dumont, Don Quixote, Lendas da Antiguidade, Viagens através dos Continentes. As professores dos cursos primários recomendavam aos alunos, estimulava-os a ser colecionadores das estampas.

Também me chama a atenção, na febre atual dos álbuns com 32 seleções e 640 atletas, a resiliência midiática dessa prática. Resiliência no sentido de “resistência ao choque”. Trata-se de uma atividade infanto-juvenil com papel e cola na era da internet, em que colar (ou paste), para esses jovens, significa um toque em uma tecla do computador. Uma atividade em que, embora utilize redes sociais para combinar trocas de figurinhas, está centralizada no prazer do encontro presencial com outros colecionadores, na adrenalina de jogos e artimanhas para conseguir a peça que deseja, na negociação olho no olho. Outro dia falei, neste blog, sobre a resiliência dos livros e revistas de papel, agora celebro a resiliência das figurinhas como mais uma ratificação de que algumas mídias antigas jamais desaparecerão e que outras, as perecíveis, ainda têm muito tempo de vida.

E os figurões, hein? Pois não é que o Roberto Carlos de tantas emoções continua se esforçando para decepcionar seus fãs? É a única grande figura artística da América Latina e do mundo ocidental a defender restrições à liberdade de expressão. Mesmo com o projeto de lei que libera a venda de biografias não autorizadas já aprovado na Câmara de Deputados e com ampla possibilidade de aprovação no Senado, o cantor continua pagando advogados e aproximando-se de autoridades judiciárias e políticas para proibir livros sobre ele. Agora é contra o livro O réu e o rei, onde o autor Paulo César Araújo conta o que sofreu quando o Rei proibiu seu primeiro livro, Roberto Carlos em detalhes. Até a grande mídia, tão respeitosa com ele, o está chamando “cantor censor”. É triste. Faz-me lembrar uma de suas músicas: “hoje eu ouço as canções que você fez pra mim / não sei por que razão tudo mudou assim / ficaram as canções e você não ficou / esqueceu de tanta coisa que um dia me falou”.

Por Orlando Senna

* Link para outros textos de Orlando Senna no Blog Refletor http://refletor.tal.tv/tag/orlando-senna
 

 

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