Theresa Catharina de Góes Campos

     
O SONHO DE REFÚGIO

(miniconto)

A Sra. Palavra viajou durante alguns anos, constantemente emigrando em razão da abundância de ruídos padronizados, grupos violentos e políticas silenciosas - mas ditatoriais - dos comitês onipresentes de oposição ao diálogo. Vendeu por vinténs seus parcos recursos. A peso de ouro, pagou sua aventura homérica sem destino certo. Passou por sofrimentos inimagináveis que o pudor ainda a impede de relatar. Quase sem voz, pensa que, afinal, parece ter chegado a um porto tranquilo, bem distante do circo de horrores que a expulsara de onde antes residia - o lar de raízes fortes, enriquecido por tradições, herança linguística, nomes e rostos habituais.

Exausta, disfarçou a impaciência. A espera foi longa, no entanto, não recebeu o acolhimento sonhado... Embora tudo parecesse bem organizado, em lugares vazios ou lotados, nem era notada. Conseguiu depois embarcar em trens abarrotados de pessoas a seu redor e lado a lado, onde barulho não faltava. Escalas e desembarques se sucederam, sempre tangida como rebanho sem pastor, prejudicada pela ausência de documentos pessoais para se apresentar. Quando a Sra. Palavra tentava falar, não a compreendiam.

Os interlocutores - repetitivos, lacônicos! - exigem o preenchimento de formulários extensos, confusos para a Sra. Palavra responder, preocupantes - sem o incentivo tácito de uma atitude de acolhimento, sem a simpatia de um sorriso.

Ela continua exausta, assombrada pela percepção da qual não consegue se livrar: sente-se desgarrada, como se fosse um hieróglifo à espera de intérprete com sabedoria para decifrá-lo. Não consegue esclarecer a si mesma o porquê de não ser uma pessoa bem-vinda ao refúgio sonhado. Perturbada, conclui: encontrar abrigo, neste mundo de solidão barulhenta, em ambientes desprovidos de empatia, sem condições para se iniciar um diálogo, lhe parece agora uma utopia. Ninguém a ouve terminar uma resposta, explanar o pensamento, nem lhe prestam qualquer atenção.

Como lidar com indivíduos posando de poderosos, de ouvidos fechados, olhos sem visão, exibindo um ar de suposta superioridade e demonstrando um coração empedernido também adormecido?

A Sra. Palavra se cala. Apavorada e talvez por esgotamento físico-emocional, a Sra. Palavra vai empalidecendo, desfalece...

Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília - DF, 16 de fevereiro de 2016
 

Jornalismo com ética e solidariedade.