Theresa Catharina de Góes Campos

     
Não tem pão, não tem macarrão, não tem pizza: acabou a farinha de trigo
Aylê-Salassié F. Quintão (03.02.2016)*
 
         - Majestade, o povo está do lado de fora pedindo pão.
         - Pois, dê-lhe brioches.
    
         Assim respondeu “a perdulária, frívola e superficial”  Maria Antonieta, rainha-consorte da corte de Luis XVI, enquanto o povo injuriado e faminto tomava conta das ruas.
   
        No hay pan. Se não tem pão, também não tem macarrão, biscoito, pizza e outros produtos básicos que dependem da farinha de trigo importada da Argentina. Felizmente são só pequenos sinais entre vizinhos  do que poderia vir a acontecer por aqui e  que tomou  conta da Venezuela,  marcou a vida dos argentinos e dos cubanos por muito tempo.  Nossa crise mais grave foi no Plano Cruzado. O dinheiro perdia valor a cada dia,  ninguém apanhava sequer moedas na rua, e os produtos desapareceram das prateleiras dos mercados. Estaríamos livres disso?
   
        A população não se assusta com um PIB de menos 4%, porque entende mal a estrutura e o funcionamento da economia. Além disso, o governo brasileiro  acredita e prega, como Jacques Necker, ministro da economia de Luiz XVI, que com duas ou três canetadas, resolveria o problema. Nelson Barbosa anunciou o primeiro “pacote”. Necker, suíço de origem,  dissertava sobre economia, raciocinando com números, indicadores e estatísticas, mesmo não tendo a garantia de sua precisão. Sem direito sequer à perplexidade, a população preferia acompanhar os políticos que dissertavam  menos como economistas e mais como profetas. A maioria foi parar na guilhotina.
 
      Difíceis de serem substituídos,  indicadores como PIB, déficits  ou superávits fiscais, índice da inflação, taxa de juros, flutuação cambial infelizmente não são números vazios.  Sinalizam de imediato  para as condições de investimentos, da produção e dos empregos.     Alcança o homem comum pelo viés da carestia, da deficiência dos serviços de saúde, das anuidades escolares,do salário, inviabilizando os sonhos em investimentos  pessoais.
 
        Com relação à atual crise brasileira, a população  só vai sentir mesmo seus efeitos  quando tiver passado a catarse política. Ela obscurece a realidade e deteriora as expectativas econômicas. Quem primeiro percebe são as donas de casa,  ao ver os ganhos familiares sendo corroídos pelos preços dos produtos de subsistência, remarcados sistematicamente para cima.           Em  um mês, um único supermercado brasileiro recebeu 8.550 queixas de consumidores.
 
       Dezenas de produtos já podem ser encontrados sem a etiqueta nas prateleiras, o que significa que a deterioração das expectativas  está promovendo uma remarcação dos preços e – pasmem - de datas de validade.  Os sucos de laranja, que elevaram o Brasil a condição de maior exportador do mundo do produto, para manter o acesso aos brasileiros  foi transformado em néctar . Uma bandeja de ovos tem um terço, pelo menos, de ovos podres. Remédios para doenças crônicas desapareceram das farmácias.  No primeiro semestre de 2015, as reclamações por falsas promoções subiram 34% em relação ao ano passado.  As quantidades e as qualidades não correspondem mais às descrições dos rótulos. No acumulado, para uma inflação  oficial de 10,7%,  os preços teriam subido efetivamente 53,4%  em 12 meses.
 
        Na Venezuela,  No hay  pan .  No Brasil os preços indexados à inflação corrente e anterior – energia, água, transporte coletivo, salário mínimo – como estratégia de combate `a inflação continuam transportando-a de um exercício para o outro. O Brasil deixou de importar uma série de produtos de uso comum interno e, assim sucessivamente, vai se chegando à farinha. Faltar farinha para o pão é algo mais do que uma carência. É  socialmente perigoso. Foi o caso da gestão econômica de Necker  no período da revolução francesa de 1794, que  contribuiu efetivamente para levar Luiz XVI e Maria Antonieta também à guilhotina.
 
          As soluções não surgem e não aparecerão num simples estalar de dedos.  Não depende da fé nos políticos, de líderes salvacionistas, de circo  e muito menos do ódio. Está atrelada a um grande entendimento, envolvendo diretamente o capital, o trabalho e até a chefia do Estado, de modo a induzir um redespertar da confiança do cidadão de que não será ludibriado no processo.
Jornalista, professor. Doutor em História Cultural
 

Jornalismo com ética e solidariedade.