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								"Lullius Rei", de Reynaldo Domingos Ferreira - 
								Política ... e a não menos real Literatura 
								 
								De: Reynaldo Ferreira 
								Data: 25 de novembro de 2016  
								Assunto: " Lullius Rei " 
								 
								(...) o autor de uma charge - a mim enviada pela 
								amiga Sônia Carolina, escritora e pintora, 
								também uberabense, - deve ter lido, com certeza, 
								"Lullius Rei", em que a personagem de Dom 
								Salvino, conselheiro do soberano para assuntos 
								de economia, aparece, em cena, travestido de 
								Robin Hood, que, em certo trecho da peça, 
								indaga: " Mas por que não posso ficar? / Ora, 
								não sou dom Salvino. / Por São Miguel!... / Sou 
								Robin Hood. / Daqui por diante, / Ao longo do 
								tempo, / Esta cena minha, / Como Robin Hood, / 
								Será muito reprisada / Em todos os palcos do 
								Reino!... / Eu sei!... Ora, se não sei." 
								 
								De certa forma, seguindo o entrecho da farsa - 
								uma paródia do "Édipo Rei ", de Sófocles - é Dom 
								Salvino quem convence Lullius Rei a assumir, 
								a exemplo dele, a identidade de Édipo Rei, que 
								nada sabia - ou fazia que não sabia - do que, de 
								escabroso, acontecia no Reino de Tebas, pois em 
								terra, em que prevalece a mentira, tudo é 
								possível. Na charge a mim encaminhada, o autor 
								preferiu figurar Lullius Rei como Robin Hood, no 
								que fez bem, a meu ver. Como acontece quase 
								sempre, na farsa, ele - o Lullius Rei do 
								chargista - tomou de empréstimo a fantasia de 
								Dom Salvino para enganar, mais uma vez. 
								 
								Há pouco, fui indagado por pessoas amigas, por 
								que não dou mais divulgação às minhas peças, 
								principalmente a "Lullius Rei", que, escrita em 
								2005, mas só publicada em 2010, previu, mais ou 
								menos, tudo o que está acontecendo, neste país 
								da baderna e da mentira, atualmente. Em 
								resposta, disse-lhes, que neste caso, divulgação 
								não é tudo. Contei-lhes um fato real, bastante 
								ilustrativo, a meu ver, do comportamento de 
								diretores e de atores do país, que não muda 
								nunca, em relação aos autores de teatro 
								brasileiros, excetuando, naturalmente, os de 
								novelas, manobrados, como é sabido, pelas 
								poderosas emissoras de televisão. 
								 
								Pois, muito bem - lembrei aos amigos - um fato 
								real, por mim testemunhado, transcorrido, 
								durante o ano de 1961, que lá se vai longe, 
								quando cheguei a São Paulo para dar início à 
								minha vida profissional. De pronto, indicado por 
								um jornalista meu conhecido, fui contratado pela 
								Rádio Gazeta para redigir o noticiário, 
								transmitido, em intervalos de 15 minutos, na 
								programação normal, patrocinado por uma 
								relojoaria, durante o período matutino. 
								 
								Foi na redação, que fiz amizade com, entre 
								outros intelectuais, Oswald de Andrade Filho, 
								redator de programas culturais da emissora, 
								também pintor, dos bons, nas horas vagas, o 
								qual, todas as manhãs, recebia telefonemas da 
								pintora Tarsila do Amaral - de voz grossa, 
								gutural -, a primeira esposa de seu famoso pai, 
								um dos realizadores da Semana de Arte Moderna de 
								1922, mas que não era a mãe dele, uma francesa. 
								 
								Ganhando pouco, com um casal de filhos para 
								educar, Oswald (a pronúncia, exigida por ele, 
								era a do nome em inglês) não se cansava em 
								oferecer a diretores e atores as peças, deixadas 
								pelo pai - principalmente "O Rei da Vela" e "A 
								Morta" -, ansioso, como era de se esperar, pelo 
								recebimento do minguado direito autoral sobre as 
								representações dos referidos textos. De todas as 
								companhias, então existentes, por ele 
								procuradas, entretanto, recebia sempre sonoras 
								negativas, sob o argumento de que Oswald de 
								Andrade fora bom romancista, mas nada entendia 
								de teatro.  
								 
								Como é sabido, havia, na época, em São Paulo, o 
								Teatro Brasileiro de Comédia, o Teatro Maria 
								Della Costa e o Teatro de Arena. Além dessas 
								estáveis companhias, começava a dar seus 
								primeiros espetáculos, com dois autores 
								estrangeiros ("A Vida Impressa em Dólar", de 
								Clifford Odets e "O Inspetor Está Lá Fora", de 
								Nikolai Gogol) o Teatro Oficina, no qual já 
								ganhava algum destaque o diretor José Celso 
								Martínez. Foi ele que, vivo, esperto, mas 
								paciente, esperou que o tempo passasse para que 
								as peças de Oswald de Andrade caíssem em domínio 
								público, para então "descobrir" as qualidades 
								cênicas de " O Rei da Vela ", que montou, alguns 
								anos depois, com grande estardalhaço. Pena que o 
								meu amigo Oswald - na intimidade, chamado de 
								Noné - já tivesse então partido para sempre. 
								 
								Nesse mesmo sentido, muitos outros casos 
								poderiam ser aqui citados, ocorridos com outros 
								autores, principalmente, com o nosso maior 
								dramaturgo, Nelson Rodrigues, que, muitas vezes, 
								teve de subir ao palco para interpretar 
								personagens, recusadas por atores, que abjuravam 
								suas peças, apesar da polêmica que causou uma 
								delas, na década de quarenta. De fato, a 
								montagem de seu "Vestido de Noiva", por Os 
								Comediantes, sob a direção do polonês Ziembinski, 
								mudou a história do teatro brasileiro. Mas, 
								apesar disso, ainda na década de sessenta, os 
								textos de Nelson eram recusados pela maioria dos 
								atores e diretores do país, que o rotulavam de 
								"reacionário" por, corajosamente, apoiar o 
								regime militar, que, na verdade, principalmente 
								o governo de Castelo Branco, assessorado por 
								Roberto Campos, trouxe o progresso - como só o 
								fizeram antes os governos de Getúlio e de 
								Juscelino, de naturezas diversas - para essa 
								volúvel nação.  
								 
								Que os amigos não se preocupem, portanto, pois o 
								tempo chegará, em que "Lullius Rei", como 
								vaticina Dom Salvino, na peça, subirá ao palco e 
								será muito reprisada em nosso Reino. E Dom 
								Salvino sabe o que diz. Ora, se não sabe!... 
								 
								Reynaldo Ferreira | 
							 
							
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