Theresa Catharina de Góes Campos

     
Uma nova pauta de demolição nacional
Aylê-Salassié F. Quintão*

Assistimos pela televisão ao choro coletivo, convulsivo mesmo, de empregados de uma empresa tradicional do Rio Grande do Sul,  que os reuniu para comunicar o encerramento de suas atividades. Às vésperas do Natal, três mil trabalhadores  ficaram sem emprego.  Outras, em Erechim, Passo Fundo, Pelotas também fecharam as portas para rever processos e adaptar-se às tecnologias disponíveis.  Apesar dessa “herança maldita”, que se projeta para muito além do território gaúcho, ainda hoje há gente por aí que acredita – e prega -  na destruição do sistema produtivo para liquidar as bases de subsistência  do capitalismo: “Que ninguém hesite em deflagrar a violência por medo das consequências!”.

É tão difícil aderir  a uma assertiva dessas, quanto acreditar que o quadro político que aí está poderá gerar notícias alvissareiras. Pensar também que o que aconteceu nos últimos dez anos serviria de modelo para o que acontecerá nos dez anos vindouros é uma falácia. Mas não se pode ficar todo o tempo questionando, duvidando e alimentando idéias estapafúrdias, sem oferecer nenhuma contribuição, diz o economista Sérgio Braga, da Universidade Federal do Paraná, presente ao Congresso do Futuro, promovido pelo Senado Federal. É importante buscar alternativas em valores compartilhados e no capital criativo, imaginando o que pode ser feito para melhorar a vida das pessoas, e não para disseminar o caos.

Alguns economistas observam que respostas novas deveriam  incluir um certo grau de desglobalização e, ao contrário do que se prega inconsequentemente, adotar  medidas de fortalecimento da empresa nacional. Mas, como? Algumas das empresas beneficiadas pelo governo anterior,  estão em condições de difícil recuperação. Como tirar delas o privilégio das isenções?! Para matá-las de vez? Algumas parcerias público/privadas não deram certo porque os governos estaduais que não cumpriram a sua parte.   O maior parceiro comercial do Brasil hoje é a China, reconhecido na OMC como praticante contumaz do dumping (prática da concorrência desleal, com a venda de produtos abaixo do preço de mercado, posição sustentada, internamente, com subsídios e salários baixos) . Por aqui, produtos chineses gozam do privilégio da taxação de  40,4% , enquanto para os demais países as tarifas antidumping chegam a 98,6%. Os chineses tiveram 11 anos para se ajustar à economia de mercado. O prazo terminou, e eles não alteraram suas práticas, mesmo no comércio bilateral com o Brasil. Como abrir mão do mercado chinês, que nos compra U$40 bilhões por ano.? Não há indústria por aqui que consiga competir com os produtos chineses.

O próprio Brasil está sendo acusado da prática de dumping, e poderá sofrer alguns processos por parte de outros parceiros comerciais, ou ter mercadorias retidas nos portos de entrada. Trinta produtos brasileiros estão nessa condição. Vinte investigações internacionais já foram abertas contra o Brasil. Entre os produtos estão o aço, a celulose e os agrícolas: se as exportações nessas áreas forem paralisadas  a crise do desemprego agrava-se ainda mais.

É verdade que até outubro  1.600 empresas brasileiras entraram com processo de recuperação judicial, em sua maioria pequenas e médias, mas  é impossível negar que a taxa  de mortalidade  nessa área mantém-se há dois anos entre 30 a 35%. Para o Sebrae, é grande o amadorismo. Na criação de novos negócios, observa-se mais  angústia causada pelo desemprego, do que ousadia empreendedora ou capacidade  de gestão. As start up (empresas oferecendo novos aplicativos) continuam bombando, mas elas não absorvem grandes quantidades de mão de obra. 

O economista Paulo Rabelo de Castro, hoje presidente do IBGE, aponta uma série de “disfuncionalidades “no sistema produtivo brasileiro, entre eles uma desconfiguração de cadeias produtivas.  Isso dificulta a previsão de uma recuperação cíclica. A prática do rentismo financeiro faz com que a sociedade precise ser reeducada para o trabalho, hoje a última opção. As filas preferenciais são as do subsídio e as dos privilégios. Outra disfuncionalidade foi o desprezo pela disciplina no campo da economia. Gerida criativamente, sem estabelecer limites entre o público e o privado, corrói o patrimônio nacional e desgasta a imagem do Brasil junto aos investidores.

Ora, a desclassificação do Brasil pelas agências internacionais de avaliação de risco não se alterou. O investidor interessado em desembarcar aqui olha o Brasil com  cautela; alguns com descrença nos governantes. Por isso, “deveríamos evitar ao máximo contaminar  a autoridade do Presidente com uma nova pauta de demolição nacional”, diz Rabelo. “Sem isso, será muito difícil fazer esse time jogar bem”.  A pior coisa que poderíamos enfrentar hoje é um novo estado de desconfiança em relação à figura do Presidente da República. De um estado de expectativas de equilíbrio, com prazos e indicadores definidos, corre-se o risco de optar por entrar no túnel de uma anti-democracia, cuja solução seria mesmo assistir, “sem medo das consequências”, a destruição do sistema produtivo e dos empregos para aventurar num modelo sem configuração. “Seria uma guerra longa e cruel”. Teríamos de passar uma borracha em tudo.  Recomeçaríamos como a Venezuela de Hugo Chaves. Mais grave é que há quem queira isso.
 
Jornalista, professor, doutor em História Cultural
 

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