Theresa Catharina de Góes Campos

     
Na antologia LIVRO ESCRITOS IX , lançamento especial na 63ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre - RS, de 1º a 19 de novembro de 2017, textos em verso e prosa de Theresa Catharina de Góes Campos

Sobre Theresa Catharina 
(Natal - RN, 13/01/1945)
Jornalista, escritora, professora universitária, tradutora, conferencista e produtora cultural.
Minha vida e meu trabalho têm os mesmos objetivos ético-morais, numa visão de cidadania universal de acordo com os mais elevados princípios cristãos.Minha fé e confiança em Deus dão sentido a esta vida temporária que deve nos preparar espiritualmente para uma vida maior,depois da morte aqui na terra. Esperança e amor têm o poder de nos transformar e fazer crescer!
 

RESGATAR  A  HONRA  DE  UMA  PALAVRA

Uma palavra vitoriosa através dos séculos - política - precisa de nosso empenho para o resgate de sua dignidade. A valorização necessária, que os tempos de hoje exigem de nós, começa por uma reflexão crítica do nível de afirmação de nossa cidadania.

Muitos não conhecem o significado etimológico: historicamente, POLÍTICA  é a arte de promover o bem comum. Esse legado cultural nós devemos à civilização greco-romana que, na Antiguidade Clássica Ocidental, definia a pessoa humana em sua condição de cidadã, portanto, em suas relações com a "polis", sua cidade, em contexto de direitos e responsabilidades. Em textos do século IV a.C., filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles já ensinavam de acordo com uma perspectiva universal, com propostas de atitudes e pensamentos mais avançados e permanentes que as conquistas violentas, imperialistas dos exércitos gregos.

O motivo de nossas considerações está na deterioração que a palavra POLÍTICA vem sofrendo, ao assumir uma conotação negativa, relacionada às ações nada louváveis de candidatos e ocupantes de cargos públicos envolvidos em atos de corrupção dos mais variados tipos, iludindo, mentindo, praticando a ambiguidade de atitudes em nome de interesses inconfessáveis. 

Embora as Universidades ofereçam Departamentos e Cursos de graduação e pós-graduação na área de Ciência Política, os cidadãos leigos continuam a utilizar  o vocábulo POLÍTICA de forma preconceituosa. Assim, quando alguns denominam organizações, movimentos e ações como "políticas" com a pretensão de desmoralizá-los, ou numa tentativa de convencer os desavisados no sentido de negarem apoio ou sua solidariedade ativa, alegam que as razões daquelas manifestações são "políticas". Utiliza-se tal artifício vocabular para indicar o que seria uma ausência de fundamentação legítima. Acontece que a POLÍTICA trata da sociedade, de suas relações com o Poder e com o Estado, bem como dos direitos, de garantias e deveres dos cidadãos, no seu contexto histórico-legal e sócio-econômico. Males e benefícios, quase todas as conquistas sociais, em sua aplicação na vida de qualquer pessoa, envolvem aspectos e consequências políticas.

Bertolt Brech lembrou a responsabilidade de cada um de nós, denunciando a omissão: "O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político (...) se orgulha e estufa o peito, dizendo que odeia a política. Não sabe (...) que, da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio das empresas nacionais e internacionais."

De forma proposital ou não, os que se declaram viver com atitudes "não-políticas" estão reconhecendo a própria alienação, ignorando os benefícios advindos à sociedade pela atuação de movimentos políticos como a Renascença, a Revolução Americana, a Revolução Francesa e muitos outros que a História registra.

Voltando a citar Brechet: "A verdade é filha do Tempo", não deveríamos admitir o esquecimento das ações políticas de líderes como Simon Bolívar, Tiradentes e os Inconfidentes de Vila Rica, Frei Caneca, Evaristo da Veiga e tantos outros exemplos memoráveis de "interferência" no status quo. As campanhas de abolição da escravatura, do sufrágio universal e contra o "apartheid" sul-africano foram, todas, políticas. 

O Cristianismo também, ainda que seja uma transformação espiritual, continua atuando, por meio de suas lideranças clérigas e leigas, em dimensões político-sociais, denunciando situações e práticas de desrespeito à pessoa humana, exigindo mudanças em governos e legislações, visando à correção de injustiças, conclamando adeptos a trabalharem em prol dos irmãos carentes e das comunidades menos favorecidas ou negligenciadas.

Não sejamos alienados. Demonstremos nossa conscientização, engajemo-nos na promoção do bem comum, missão em conformidade com o mais autêntico significado desta palavra de nobreza histórica: POLÍTICA.         

Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília - DF, junho de 1991


A EXCURSÃO DAS PERGUNTAS

As jovens formavam um grupo de amigas bem unidas. Resolveram organizar uma viagem interessante para as férias. Em suas maletas para a excursão, todas se dispuseram a colocar os instrumentos necessários: curiosidade, entusiasmo e paciência. Animadas, inspiradas pelos sonhos de aventura, partiram à procura de respostas. Em seus planos, esperavam também encontrar gente sábia para lhes ensinar mais conhecimentos.

Quando retornaram à cidade, trazendo excesso de bagagem, continuavam inspiradas na busca do saber. Todavia, os Acomodados que as conheciam estranharam, surpresos, que tivessem regressado com poucas respostas e o dobro dos questionamentos.

Os decepcionados com o resultado aparentemente insatisfatório da viagem de estudos não compreendiam o entusiasmo das Perguntas sobre o aprendizado da excursão.

As Perguntas não se perturbaram, porém. Afinal, elas aprenderam que tanto as dúvidas como as perguntas inspiram e conduzem aos campos de pesquisa, onde algumas respostas poderão um dia ser encontradas.

Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília - DF, 02 de novembro de 2016


UM DIVISOR DE ÁGUAS EM MINHA VIDA

Não foi apenas encantamento o que senti ao assistir tantas vezes, no cinema, ao filme "Imensidão Azul", de Luc Besson.

"Imensidão Azul" (Le grand bleu/The Big Blue – França,1988) representou um divisor de águas em minha vida!

Aprendi a me aceitar, a conviver comigo 24 horas, sem deixar que as rejeições, as maldades e as indiferenças encontradas no mundo me impedissem de me apreciar e viver tudo que sou como pessoa, missão, vocação e potencialidade.

Continuei convivendo. No entanto, deixei de esperar aceitação, de aguardar retorno e até de tentar mudar a frieza, alienação e indiferença de alguns. Passei a gostar de mim, a me valorizar.

A abertura para o meu próximo continuou a existir, de minha parte, porque tal disponibilidade para os outros é um dos componentes fundamentais de minha personalidade social.

Vivo como sou. Não mudei o que sou. A grande mudança foi eu me sentir viva sem depender dos sentimentos do próximo a meu respeito. Passei a ser feliz em contemplar meu íntimo, para crescer e aprender, a ter orgulho de ser independente interiormente, capaz de atender às minhas necessidades como ser humano individual, responsável por meu crescimento pessoal, profissional e cultural.

Percebi, então, o significado positivo da solidão: o tempo que ganhamos para ser, refletir, apreciar, elaborar decisões, planejar atitudes. Antes, eu perdia muito tempo me esforçando demais em prol dos que nem mesmo precisavam de mim... Para que tanto esforço inútil? Compreendi que eu precisava bem mais de atenção e carinho interiores. E passei a não mais me negligenciar!

Do mergulho nas imagens, nos sons e na história de "Imensidão Azul", consegui reverter a profunda tristeza que ameaçava me afogar. Emergi inteira, disposta a não repetir erros, amadurecida, revigorada, e ainda mais fiel ao que sempre fui, no que tenho de melhor em mim. 

Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília-DF, 10 de abril de 2008


O SONHO DE REFÚGIO 

(miniconto)

A Sra. Palavra viajou durante alguns anos, constantemente emigrando em razão da abundância de ruídos padronizados, grupos violentos e políticas silenciosas - mas ditatoriais - dos comitês onipresentes de oposição ao diálogo. Vendeu por vinténs seus parcos recursos. A peso de ouro, pagou sua aventura homérica sem destino certo. Passou por sofrimentos inimagináveis que o pudor ainda a impede de relatar. Quase sem voz, pensa que, afinal, parece ter chegado a um porto tranquilo, bem distante do circo de horrores que a expulsara de onde antes residia - o lar de raízes fortes, enriquecido por tradições, herança linguística, nomes e rostos habituais.

Exausta, disfarçou a impaciência. A espera foi longa, no entanto, não recebeu o acolhimento sonhado... Embora tudo parecesse bem organizado, em lugares vazios ou lotados, nem era notada. Conseguiu depois embarcar em trens abarrotados de pessoas a seu redor e lado a lado, onde barulho não faltava. Escalas e desembarques se sucederam, sempre tangida como rebanho sem pastor, prejudicada pela ausência de documentos pessoais para se apresentar. Quando a Sra. Palavra tentava falar, não a compreendiam. 

Os interlocutores - repetitivos, lacônicos! - exigem o preenchimento de formulários extensos, confusos para a Sra. Palavra responder, preocupantes - sem o incentivo tácito de uma atitude de acolhimento, sem a simpatia de um sorriso.

Ela continua exausta, assombrada pela percepção da qual não consegue se livrar: sente-se desgarrada, como se fosse um hieróglifo à espera de intérprete com sabedoria para decifrá-lo. Não consegue esclarecer a si mesma o porquê de não ser uma pessoa bem-vinda ao refúgio sonhado. Perturbada, conclui: encontrar abrigo, neste mundo de solidão barulhenta, em ambientes desprovidos de empatia, sem condições para se iniciar um diálogo, lhe parece agora uma utopia. Ninguém a ouve terminar uma resposta, explanar o pensamento, nem lhe prestam qualquer atenção. 

Como lidar com indivíduos posando de poderosos, de ouvidos fechados, olhos sem visão, exibindo um ar de suposta superioridade e demonstrando um coração empedernido também adormecido?

A Sra. Palavra se cala. Apavorada e talvez por esgotamento físico-emocional, a Sra. Palavra vai empalidecendo, desfalece...

Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília - DF, 16 de fevereiro de 2016


O EDUCADOR E SEU PRÓXIMO

O tempo, a atenção e o espaço que dedicamos aos outros enriquecem a nossa existência.

A experiência humana de olhar, ver e sentir com intensidade amplia-se e se aprofunda quando nos valemos das experiências igualmente ricas de outras pessoas, que expressam a sua vivência de modo particular e nos comunicam o que aprenderam, contribuindo, assim, para a nossa educação como indivíduos inseridos num contexto social.

A arte, além de ser criação por excelência, também é, fundamentalmente, CRIADORA... e, sendo criadora, EDUCA: eleva, liberta, faz crescer, sublima.
O educador estabelece a comunicação e conduz à criação. Os olhos do educador vêem muito além das aparências: o educador vê e pressente o que os outros não parecem enxergar, perceber... ou fingem ignorar.

O educador apóia antes dos aplausos da multidão: quem exerce a missão de educar não inveja, disciplina, critica de forma generosa e numa perspectiva do crescimento possível; faz sugestões, bate palmas com entusiasmo, admira no íntimo, e também, externamente.
O educador é aquele que vê, nos outros, as potencialidades de cada um e, ao invés de ignorá-las ou negligenciá-las por inveja ou comodismo, se empenha para não deixar que morram no silêncio: procura ajudar... para que as qualidades se transformem em realizações.

Para quem educa, todo amanhecer é um caminhar em direção à beleza arrebatadora (e inquietante) do pôr-do-sol.
E o educador repete, sem jamais se fatigar ou desistir: o que temos pertence aos outros - daí o dever de partilharmos... Com exclusividade, só nos pertence o que ainda não conquistamos. Cabe a nós a visão do trabalho associada aos sonhos e ideais.

O esforço é de cada um, mas a vitória ilumina todos nós, irmãos e parceiros, na caminhada pela vida.

Theresa Catharina de Góes Campos

Programa "Educar é crescer" - produção e redação de Theresa Catharina de Góes Campos
Rádio Universitária, da Universidade Federal de Pernambuco
Recife - PE, 1969


EM UMA ARANDELA, A ESTRELA REFUGIADA 
(miniconto em verso e prosa)


Já no entardecer, ao titubear,
no gaguejar das penumbras
a sombra claudicante revela
os mistérios de uma arandela.


Trazida por mãos amigas, a peça antiga, em madeira, encontrada na simplicidade enriquecedora de um vilarejo que se esconde nas dobras do tempo, no interior de Minas Gerais. Todavia, a roca de fiar poderia vir de qualquer outro lugar, de outros endereços, sem nome de rua ou número de casa. Já foi popular. Uma presença comum, obrigatória, nos lares e nas fazendas de outrora.


Trêmula, uma arandela ilumina, na varanda, a roca de fiar.


Exibindo arabescos na estrutura metálica, esses recortes nas laterais da arandela revelam segredos, entrevistos nas aberturas dos desenhos... 


Sofrendo de ansiedade, uma diminuta estrela se refugiou na arandela, ainda em pânico, depois que, surpreendida por uma experiência de explosão nuclear, ficou aterrorizada.Testemunha relutante, com medo de relatar, buscando esquecer o que viu. Hesita em depor sobre o que não consegue compreender.


Na varanda, a roca de fiar - iluminada
por uma pequena estrela atormentada - 
foi colocada em posição privilegiada. 


À sua frente, o que se vê faz bem aos olhos. Acredito que também pode trazer a cura emocional a quem escolheu continuar a brilhar, mesmo escondida.


No meu jardim terapêutico, imaginário, mas nem por isso menos verdadeiro, há um canteiro só de livros (os favoritos, os mais queridos, com anotações manuscritas e trechos sublinhados), ao lado de outro canteiro, exclusivo para cartas e bilhetes que considero importantes demais para serem jogados fora. Na estufa, estão protegidas as sementes dos projetos sonhados. 


Em mais um outro recanto, ficam as fotos, trazendo as memórias do tempo veloz e fugidio. Nessas fotografias, as recordações visuais, evocadoras de instantes e rotinas, recuperadas pelo nosso olhar de carinho e saudade, fazendo voltar, para uma visita cordial, um "chá das cinco", os anos que se foram e, na realidade, não retornam mais . Depositários de sua herança, um tesouro impossível de contabilizar, somos herdeiros das lições de vida que nos deixaram. 


Mais adiante, vivem as flores, em áreas separadas por espécie, cores e tamanhos; junto a uma incubadora espaçosa de lagartas, à espera do tempo certo para a metamorfose em borboletas. Para acompanhar o voo dos anjos, as borboletas abrirão as asas em voos coloridos.


Tudo parece organizado, no entanto, os vagalumes ignoram os limites dos canteiros, as restrições da estufa, exercendo a liberdade de movimentação, na espontaneidade da alegria com que percorrem o terreno.


Na contemplação da saudade, 
sinto a bênção do vento em ação,
a espalhar o perfume das rosas. 


Não consigo impedir, porém,
que o dinamismo da ventania
fragilize ainda mais, com vigor,
todas as flores ali cultivadas. 


No ostracismo a que ficou relegada, 
permanece em repouso a roca de fiar, 
esquecida, a evocar outras épocas. 


Uma imagem de ausências. De muitas arandelas. Sem estrelas refugiadas recebendo abrigo e proteção. Despertando, no entardecer do dia e nas alvoradas, o nosso respeito por uma luz que, em seu recolhimento, 
nos ajuda a vencer as sombras para caminhar.

Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília - DF, 13 de fevereiro de 2014


VIAGENS SENTIMENTAIS

Amizade e amor...ambos os sentimentos exigem muito de nós. Não ser correspondido, nos dois casos, pode se mostrar devastador. Por isso é preciso encontrarmos uma fórmula pessoal para, nessas situações de não correspondência de sentimentos tão importantes, não sermos magoados num grau de profundidade que nos torne indivíduos irrecuperáveis, empedernidos, empobrecidos emocionalmente para a vida. 

Amar é uma viagem sempre arriscada, plena de percalços e tempestades. Decidir empreendê-la , de forma consciente, deveria significar agir com responsabilidade. Somente os mais fortes assumem tal decisão corajosa. Como se atravessássemos as areia de um deserto, percorrendo estepes ou enfrentando ondas gigantes de um oceano em fúria, essas experiências de vida exigem o melhor de nós. 

São todas peregrinações íntimas, sem bagagem nem provisões. Expedições de inumeráveis riscos, mas desses roteiros sobre os quais não podemos prever todos os acontecimentos, talvez regressemos vitoriosos. 

Não precisaremos dar a volta ao mundo...bastará um pouco de tempo no espaço reduzido de um coração que escolhermos conhecer, para que nos sintamos vencedores...simplesmente por escutarmos confidências sussurradas. Não será necessário viajarmos à lua ou a planetas e galáxias distantes. Terá sido suficiente aceitarmos ouvir o pulsar do silêncio nos impulsos e vibrações do espírito.

Quem sabe estaremos atentos ao raio verde, já experientes em admirar uma aurora boreal. Com tranquilidade, observaremos as estrelas cadentes, na chuva de meteoros, enquanto aguardamos eclipses e a passagem anunciada de um cometa.

Essas viagens sentimentais não requerem passaportes..., nem pressa, ainda que urgentes, só dependem de nossa disposição amadurecida para o relacionar-se e conviver como seres humanos.

Theresa Catharina de Góes Campos
São Paulo-SP, 11 de fevereiro de 2012


AS PRISÕES NOSSAS DE CADA DIA

Quando assistimos aos noticiários, lemos jornais e revistas e vemos documentários cinematográficos (como o filme "Justiça") sobre as prisões brasileiras, logo nos sentimos horrorizados com a visão de seres humanos amontoados, atrás de barras e com o olhar perdido, desanimado, em meio a sujeira e promiscuidade.

Essas prisões são um problema urgente que a sociedade, como um todo, precisa resolver, em nome da solidariedade e da justiça.

Mas há outras prisões que devem ser examinadas - também sem demora! Estamos nelas encerrados, sem que nos apercebamos disso! O mundo que nos cerca - com o nosso assentimento ou a nossa omissão - ali nos colocou.

Sobrevivemos em meio aos ditames da moda, a determinar o que vestimos, a dizer qual seria nosso peso ideal, como deve ser nossa aparência e até os lugares que iremos freqüentar... Outros escolhem as cores de nossos sapatos, informam os conceitos de beleza.

Passamos a nos preocupar em fazer o impossível: deter o tempo, em busca da juventude perdida, numa volta ao passado que nos rouba o presente e nos torna cegos para a realidade futura.

Perseguindo sem trégua os bens materiais, perdemos o tesouro maior: sensibilidade, amor, amizade, convivência ética, o trabalho realizado com satisfação, a paz interior. A ambição pelo dinheiro nos enfeitiça de tal modo que a ele sacrificamos o que vale muito mais: o tempo para ser, os momentos de amor, o processo de crescimento como pessoas.

Analisamos as instituições bancárias, entretanto, deixamos de refletir sobre a nossa vida e os nossos atos. A superficialidade não nos incomoda. Não sabemos quem somos, não nos conhecemos... Não entendemos nossos relacionamentos familiares - ou será que temos família?

Como bem denunciou o diretor de teatro Elias Andreato:

"Para o homem comum, olhar para dentro de si mesmo às vezes é uma tarefa quase impossível e tão complexa como observar a imensidão do cosmo.

Nem sempre temos disponibilidade, interesse, sensibilidade e, por que não dizer, aprendizado suficiente para exercer este mecanismo que a psicanálise percorre com maestria."

Ficamos presos ao telefone celular, ignorando as regras de cortesia, perturbando os que nos cercam, prejudicando, inclusive, o silêncio das igrejas e dos hospitais. Usamos o aparelhinho como se estivéssemos isolados, num deserto, a necessitar de socorro. O celular nos domina, controla a nossa conversa.

Algemados a nossos preconceitos, asfixiados por sentimentos de raiva, ódio, inveja e orgulho, sufocados por emoções que não ousamos confessar ou partilhar, vamos conduzindo mal a nossa vida. Nossos bens são motivos de exibição - não os adquirimos por necessidade, mas para mostrá-los...

São as prisões nossas de cada dia, das quais nós temos as chaves para que os portões se abram e nos devolvam à vida!

Que Deus nos conceda a força espiritual para iniciarmos o nosso processo de libertação - Ele nos criou para sermos livres. Não nos esqueçamos de que Jesus padeceu e morreu na cruz para nos salvar.

Essas prisões nossas de cada dia, que nos transformam em objetos aprisionados, verdadeiros "sepulcros caiados de branco", precisam ser destruídas por nós.

E cantaremos, no íntimo de nosso coração, com autêntica alegria cristã: Aleluia, aleluia!

Theresa Catharina de Góes Campos


MEU PAI, O AVIÃO E OS ANJOS

Meu pai gostava de contar histórias engraçadas quando estava com os amigos e colegas, demonstrando, com palavras espirituosas e riso fácil, como ele apreciava fazer brincadeiras, em diversas situações. Muitos desses casos eram relatos fiéis de episódios e acontecimentos reais. Na infância, já adolescente ou como adulto, não perdia uma ocasião de pregar uma peça inocente, uma armadilha qualquer... Até um comentário jocoso sobre alguém e suas reações inesperadas, uma conclusão humorística, ou mesmo, um pensamento similar à moral das fábulas. Não esquecia uma travessura cometida ainda na infância, durante a Missa dominical em Caruaru, quando prendeu, com alfinetes de segurança, as saias amplas e rodadas, umas às outras, de várias senhoras, que repetiam, entretidas e contritas, em voz alta, as orações litúrgicas.

Em algumas ocasiões, lembrava circunstâncias difíceis, ainda que rotineiras, nos vôos do CAN, o Correio Aéreo Nacional, para atender às populações mais carentes, em tantos rincões brasileiros, ou nos desafios para realizar com eficiência os trabalhos de fotogrametria, ou especialmente, nas missões de busca e salvamento, quando o resgate exigia controle e sangue frio, paciência e habilidade excepcionais.

Não faltavam, também, as experiências na Patrulha do Atlântico, quando serviu em Natal (RN), durante a Segunda Guerra Mundial. E as lembranças internacionais, nos muitos vôos do Correio Suez, uma operação de apoio regular ao contingente brasileiro em missão de paz da ONU, com escalas em Lisboa, Roma e na capital egípcia, Cairo. 

Nas viagens com os aviões B-17 e B-25 em que iam aos EUA para revisão e substituição de algumas peças, os pilotos americanos comentavam, surpresos e manifestando admiração, ao verem esses bombardeiros ainda sendo utilizados, graças à competência daqueles pilotos da FAB: "Aqui, esses aviões são peças de exibição nos museus..." 

Sobre acidentes com desfecho trágico, falava pouco, mas sempre, bastante comovido. Sobre a perda de vidas, ele parecia incapaz de comentar...dizia o mínimo...e se refugiava no silêncio. A morte lhe parecia, com certeza, uma realidade para silenciar. Posteriormente, à medida que o tempo passava, manifestava, com referências breves, a saudade do colega de profissão, ou do amigo que se fora, relembrando um fato, destacando uma característica pessoal. Em minutos, logo silenciava, como se não conseguisse mais continuar...começava outro assunto.

Meus irmãos e eu, desde crianças, fomos instruídos por nossa mãe a não falar de temas trágicos, nem dizer a palavra "bruxa" lá em casa, porque significava "morte", na linguagem metafórica dos aviadores. Deveríamos escolher outro antônimo para "fada" ou feiticeira do bem, porque, conforme explicava, "seu pai não gosta, se sente mal."

Mamãe contava sobre como os dois se conheceram: no Rio de Janeiro, na Missa das 9 horas, num domingo. Ela costumava ir acompanhada de uma jovem empregada. Ele, com as irmãs...na verdade, eram suas primas, porque, ao ficar órfão de mãe aos cinco anos, quando a tia-madrinha se casou, ela e o marido o levaram consigo, para educá-lo na família que estavam iniciando. Aos dois, a quem também iríamos chamar de "avós", meu pai deveu a educação do seu caráter bem formado: os valores e a disciplina como rotina de sua existência, o uso responsável do dinheiro, o cumprimento da palavra empenhada.

Para mamãe e papai, a fé religiosa se mostrou vigorosa, praticada de forma habitual, em todos os momentos, nos sete dias da semana. Suas atitudes, seus gestos e diálogos, revelavam sentimentos sinceros sobre o amor a Deus, a devoção a Nossa Senhora, aos Anjos e Santos.

Um dia, como eu costumava prestar atenção às conversas descontraídas, plenas de humor que meu pai liderava, como um maestro conduzindo o tom dos diálogos, acontecessem em nossa casa ou nas reuniões sociais em outros lugares, me comovi ao saber que, pilotando um avião de grande porte e fazendo uma linha do Correio Aéreo Nacional, houve um incidente grave durante a aterrissagem, por conseguinte, nos instantes e na fase do vôo que aprendi serem os mais perigosos.

Expressando a maior naturalidade, ele recordou que, naquela aeronave com carga total, ao pousar na pista um tanto precária, um dos enormes pneus estourou. Papai sentiu muita dificuldade para controlar o avião, com tanto peso, já experimentando uma sensação de impotência como piloto, quando um segundo pneu estourou. Por segundos, pensou ter uma missão impossível...quando, para sua surpresa, sentiu uma força superior a ele, sustentando, mantendo o equilíbrio de toda a aeronave...Nesse ponto, papai finalizou com simplicidade: "- Se foi Deus, ou foram os Anjos, não sei ao certo. Mas não fui eu que dominei e controlei aquele avião com dois pneus furados! Quando todos desembarcaram, fui olhar... e achei difícil de acreditar no que meus olhos viam: ao examinar cada pneu, encontrei somente alguns poucos, pequenos pedaços de borracha. Não pudemos continuar viagem; restou-nos esperar, sem opção, a chegada de outro vôo, com os pneus substitutos."

Após um momento de silêncio, numa aceitação tácita do relato pelo grupo de ouvintes, pois pareciam atentos e, se não interpretavam da mesma forma que meu pai, escolheram a ele não retrucar...a conversa continuou, os diálogos se sucederam, provavelmente tão convencionais como de hábito, por isso nada mais registrei na minha memória.

Mas foi com aquele episódio que fortaleci a minha crença nos Anjos. Porque compreendi, também, quão profundamente o meu pai, à sua maneira, conduzia sua vida com fé em Deus...e realmente acreditava nos Anjos e Santos. Assim comecei a crer com maior intensidade nos milagres, como fatos extraordinários que não podem ser explicados por critérios e realidades humanas, e sim, como acontecimentos unicamente explicáveis pela intervenção divina, sendo os Anjos os Seus mensageiros. Quando tudo parece perdido, eles vêm em nosso auxílio...acontecendo os milagres, por incumbência de Deus!

Com aquela narrativa de papai, compreendi, de uma vez por todas, numa atitude espiritual de crença definitiva, que eu tinha a meu lado - sempre -, assim como todas as pessoas, o meu Anjo da Guarda... invisível e silencioso apenas em termos humanos e concretos, porque vivo e atuante, como divino mensageiro capaz de realizar proezas e façanhas para me defender e salvar.

Theresa Catharina de Góes Campos
São Paulo, 7 de julho de 2010 

NOTAS:

Demorei a escrever sobre o assunto principal desse texto porque fomos educados por Mamãe e Papai a respeitarmos as conversas dos adultos, orientados a não ouvir o que não deveríamos, nem participarmos desses diálogos, a não ser que um adulto nos chamasse ou nos fizesse uma indagação. Penso que ambos não gostariam de saber sobre esse meu ato de desobediência...e com a agravante de relatar a outros, divulgando sem autorização, o que poderiam questionar, talvez até me convencendo a duvidar de minha memória. Tenho convicção, arraigada no íntimo, de que reproduzi com fidelidade aos fatos e às palavras, porque cultivei tais lembranças, conservando todas como preciosas recordações, autêntico tesouro de nossa vida familiar.

Mas talvez a maior razão para não registrar esse acontecimento de profunda dimensão espiritual, antes da morte de Papai (2000) e Mamãe (2008), tenha sido meu temor de receber um eventual pedido, de um deles ou de ambos, motivados por um sentimento educado de pudor, para eu não fazer esse relato íntimo sobre meu pai, uma declaração de sua fé, que considero tão comovente e simples quanto verdadeira.

Theresa Catharina

P.S.

Anos depois, li com muito encantamento, confirmando e reforçando minha profunda fé, o livro do pastor evangélico Billy Graham, intitulado "Anjos: Agentes Secretos de Deus", que vendeu mais de um milhão de exemplares nos EUA.
A obra narra as experiências do famoso pregador, com os seres celestiais. Convencido de que nos momentos de grande necessidade foi auxiliado pelos anjos, afirma: A falange invisível de Deus está mais bem organizada do que qualquer exército humano, ou de seres malignos. Os anjos pensam, sentem, têm vontade e manifestam emoções. Eles são agentes divinos que podem agir com formas visíveis ou invisíveis, de acordo com a vontade do nosso Criador. Os anjos guiam, confortam e ajudam os filhos de Deus diante do sofrimento e das lutas terrenas.

Editora: Record 
Autor: BILLY GRAHAM 
ISBN: 8501011231 
Origem: Nacional 
Ano: s.d. 
Edição: 1 
Número de páginas: 135 

Uma leitura sobre acontecimentos extraordinários, que vai ampliar nossa visão para a realidade deste mundo... porque abrirá os olhos de nossa alma, sob a perspectiva da espiritualidade, uma força que não deve ser ignorada.
Theresa Catharina
São Paulo, 28 de julho de 2010

 

Jornalismo com ética e solidariedade.