Theresa Catharina de Góes Campos

     
 A CONTRADIÇÃO DO AMOR

Ele pergunta ao amigo: “Você viveria uma vida vazia?” E insiste para saber como ele suportaria. A pergunta é do personagem de Ricardo Darin no filme “Os segredos de seus olhos”. Cujo enredo fala de vingança, da perda de um grande amor e de um outro amor que não tinha coragem de se manifestar. Que se perdia nos medos, na baixa autoestima e na covardia. Evitando a decisão que selaria a união dos amados. O mesmo amor a consumir os personagens de “Asas Partidas”, de Kahlil Gibran. Que segundo a descrição de um deles, “ abriu-me os olhos com seus raios mágicos e por primeira vez tocou com seus dedos quentes meu espírito...” E continua explicando este amor “que o levou ao jardim da grande ternura, em que os dias transcorrem como sonhos, e as noites, como núpcias. ”

Claro está que o grande amor não envolve tão somente a paixão sexual. Ele é muito mais do que isto; como a ternura, a confiança da entrega, um certo deslumbramento, a compreensão do outro. No entanto, mesmo forte, se mostra incapaz em muitas vidas, de vencer bloqueios e se lançar corajosamente na aventura. Talvez a única daquela existência. Que forças ainda lhe faltam? Por que a torrente intensa de sentimentos e desejos, esta certeza de ter encontrado enfim o paraíso, consegue ser paralisada pelo medo?

Segundo Gibran, a única liberdade do mundo a elevar o espírito de tal maneira, que as leis da humanidade e os fenômenos da natureza não podem mudar seu curso. No entanto, ele pergunta através de seu personagem: teria dado Deus a liberdade para que fizéssemos dela uma sombra da escravidão? Sim, porque talvez seja disto que se trate: a grande contradição de ser tomado pelo amor e não ter coragem de vivê-lo com o outro. Um amor que lhe toma as entranhas, mas nunca resolvido. Portanto, uma liberdade contestada. Que não conseguiu romper os medos dos personagens em “Asas Partidas” e quase inviabiliza a vida amorosa dos amados em “O segredo de seus olhos”. A depender das circunstâncias, podemos viver ainda hoje em dia esta contradição?

LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO (novembro, 2019)

 

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