Theresa Catharina de Góes Campos

  De: "REYNALDO FERREIRA"
Data: Wed, 25 Jan 2006 09:48:49 -0200
Para: theresa.files@gmail.com
Assunto: Azulejaria Portuguesa - Capela das Almas
Repassando aos amigos, RDF 
 
 PORTUGAL, MUSEU VIVO DO AZUL
CAPELA DAS ALMAS
AZULEJOS
  
        Portugal é o país dos azulejos, onde atingiram o padrão de obras primas. Tais ladrilhos cerâmicos, vidrados dum só lado e utilizados para revestir paredes formando painéis decorativos, é coisa conhecida pelo homem há, pelo menos, cinco mil anos.  A primeira vez que eles apareceram em Portugal foi em meados do século XV, uma técnica importada dos centros mouros de Sevilha, Valência e Marrocos. Mas foi precisamente quando Portugal caiu sob a hegemonia da Espanha, em fins do séc. XVI, que os azulejos portugueses adquiriram um caráter realmente nacional. Grandes e pequenos painéis, narrando cenas sacras, militares e cortesãs, passaram então a ornar as paredes de palácios, conventos e mansões. Esplêndidos exemplares foram também enviados aos Açores, à Madeira e ao Brasil, onde ainda hoje podem ser apreciados, especialmente na Bahia, no Rio de Janeiro, no Maranhão e em Pernambuco.
 
        Após o terremoto de 1755, que destruiu quase completamente Lisboa, a cidade foi reconstruída pelo Marquês de Pombal, tendo sido o azulejo extensiva e intensivamente usado pelas suas qualidades funcionais e higiênicas. Os melhores exemplares deste período foram realizados pela Real Fábrica do Rato, fundada em 1767.
 
        No início do séc. XIX o exército de Napoleão ameaçou Lisboa e a corte real mudou-se para o Brasil. Durante 14 anos o desenvolvimento da indústria da azulejaria portuguesa dependeu das requisições brasileiras. Quando a corte voltou à Europa em 1821, muitos dos portugueses retornados decidiram revestir as paredes externas das suas casas com azulejos decorativos, imitando o que tinham visto fazer no Brasil. Azulejar as fachadas das residências tornou-se um símbolo de riqueza, e com isso a indústria dos azulejos de novo floresceu.
 
        Na década de 1930 a municipalidade de Lisboa resolveu proibir tal uso pretextando que "ele já não se adaptava às novas estruturas do concreto armado".
 
        Na época do Congresso Internacional de Arquitetura no Rio de Janeiro, na década de 1950, o arquiteto português Francisco Keil do Amaral tomou conhecimento de que os brasileiros lançavam mão de azulejos nos seus prédios modernos, como no caso dos desenhados por Portinari para a Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte, e dos usados em vários projetos de Oscar Niemeyer. Como a proibição municipal já não tivesse validade praticamente, Keil do Amaral fez azulejar as paredes de algumas estações do metrô de Lisboa. A partir de então o azulejo apareceu na cidade pelas mãos de artistas famosos como Maria Keil, Querubim Lapa, Jorge Brandão, Lima de Freitas e outros.
 
        O Convento Quinhentista da Madre de Deus, em Lisboa, sede do Museu Nacional do Azulejo, abriga uma coleção única no mundo, de aproximadamente dois milhões de azulejos, inclusive raros espécimes mouros do séc. XV. Exposições itinerantes destas coleções já correram diversos países como o Brasil, a Venezuela, a Itália, a Polônia, a França e a Espanha.  Felizmente, alguns dos melhores exemplares da azulejaria portuguesa ainda estão colocados nos seus lugares originais (conventos, igrejas, palácios, jardins e frontarias de casas) onde transmitem a sua mensagem de história, beleza, brilho e cor. Para onde quer que se olhe, este país é um grande museu vivo de azulejo.
 
Encravada mesmo no cerne da cidade, onde palpita febril o coração duma urbe plena de movimento e de vida, situa-se a Capela das Almas, ex-libris da velha e gloriosa cidade do Porto. É um pequeno-grande templo com traçado em estilo neoclássico do fim do século XVIII. Correia de Azevedo na sua "Enciclopédia da Arte Portuguesa"  descreve assim, resumidamente, a Capela das Almas:
       
        "Situa-se no ângulo da Rua de Santa Catarina com a Rua Fernandes Tomás. Tanto a fachada como a nave são muito equilibradas e sóbrias. Mas o que neste templo interessa distinguir é o seu completo revestimento exterior de ajulejos na fachada e na parede lateral sul. Tais azulejos são de autoria de Eduardo Leite".
              
        A fama dos painéis de azulejo da Capela ds Almas atravessou fronteiras e espalhou-se pela Europa e pela América. Confirmando esta asserção note-se que uma publicação como a revista  "National Geographic", órgão oficial da "National Geographic Society", com sede em Washington, DC, Estados Unidos, chamou a atenção do mundo culto para os azulejos em causa, reproduzindo a cores toda a  parede do lado sul da Capela ds Almas. Esta reportagem foi publicada  no número 158, editado em  6 de dezembro de 1980.
       
        Pois os preciosos azulejos da Capela das Almas correram o sério risco de se degradarem, de se perderem para sempre. Foi uma preocupação séria a sua recuperação, por ser um trabalho moroso, difícil, dispendioso. O restauro começou em setembro e terminou em dezembro de 1982. Foram levantados e recolocados 2.400 azulejos, sendo que 28 tiveram que ser refeitos na Fábrica Viúva Lamego, por se terem partido ao cair no pavimento da Rua Fernandes Tomás.  
           
        A história do azulejo vem de longa data, tendo a azulejaria começado a adquirir personalidade artística durante o Califado de Bagdá, na Pérsia, entre os séculos XIII e XIV; depois o trabalho de azulejaria criou alicerces por intermédio dos mouros na península ibérica, através do Levante e da Andaluzia e só mais tarde é que os italianos se apoderaram do segredo do fabrico de azulejos em larga escala. A partir dos meados do século XVI, artistas flamengos que tiveram contatos em Sevilha e Talavera de la Reina, instalaram-se em Lisboa, introduzindo as novas técnicas maiolicárias, e com elas o azulejo de superfície lisa, de grande aceitação, que acabou por se firmar como uma constante da arte decorativa, com o seu descritivo, a sua beleza e fácil adaptação a obras de arquitetura.
 
        No entanto, os azulejos adquiriram mais expressão e maior deslumbramento quando utilizados como base de desenhos e pinturas da vida real ou imaginária, em grandes painéis, figurando guerras, vidas de santos, paisagens, aspectos da etnografia e do folclore, ou outros desenhos e pinturas de aparente ingenuidade, mas sempre com alto valor artístico e decorativo.
       
        Tempos houve em que foram muitas as fábricas artesanais de azulejaria existentes em Lisboa, em Coimbra, no Porto, e, especialmente, em Vila Nova de Gaia. Algumas foram vítimas de lamentáveis períodos de decadência e até de extinção,  devido, em primeiro lugar, às guerras napoleônicas e, depois, em conseqüencia das lutas políticas internas que provocaram catastróficas perturbações econômico-sociais.        
       
        Quando no fim do século XIX se revigorou a azulejaria, o maior impulso - conforme cita Santos Simões, o grande especialista na matéria - foi dado por artistas como Pereira Cão, Bordalo Pinheiro, Luís Ferreira, e, já no século XX, por Jorge Barradas e Eduardo Leite. 
       
        Os azulejos da Capela das Almas estão assinados pelo pintor Eduardo Leite, que se notabilizou como aquarelista e ceramista, e foram executados pela Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, em Lisboa. Para se fazer uma pequena idéia da importãncia desses painéis, basta ter em conta que no conjunto foram usados (pintados e cozidos) 15.947 azulejos que cobrem cerca de 360 metros quadrados de parede.
 
        Na fachada (do lado da Rua de Santa Catarina) merecem realce as cenas das "Almas do Purgatório", as decorações e quadros alusivos à Eucaristia e as composições sobre a vida de Santa Catarina e São Francisco: "São Francisco recebe os estigmas de Cristo" e "Coroação de Santa Catarina".
 
        O painel da parede lateral voltado para a Rua Fernandes Tomás, tem várias cenas da vida de Santa Catarina e de São Francisco de Assis. Dedicados a Santa Catarina, virgem egípcia de sangue real, martirizada no Monte Sinai, os azulejos apresentam as seguintes cenas: "Santa Catarina discute com os sábios de Alexandria" (18 dos quais ela conseguiu converter), "A vitória de Santa Catarina anunciada por um anjo" e "Súplica de Santa Catarina no ato de ser degolada".
 
        Dedicado a São Francisco de Assis - que antes de se entregar ao apostolado de Deus e dos pobres foi guerreiro, filho insubmisso, extravagante, gozador da vida, impulsivo, rebelde, mas sempre generoso - merecem ser admiradas com especial atenção as composições: "Cristo solta-se da cruz para abraçar São Francisco", "São Francisco a pregar na presença do Papa Honório III", "São Francisco faz um milagre" (o da água a brotar duma pedra), "A morte de São Francisco" e "São Francisco a ser levado pelos anjos".
       
        No interior da Capela, do lado direito de quem entra, vê-se um painel  representando as "Almas do Purgatório", donde emerge a imagem de São Francisco apontando para o céu. Ainda do lado direito vê-se um belo painel de Santa Catarina ajoelhada diante da "Virgem com o Menino". Está rodeada de anjos, dois dos quais transportam uma coroa, vendo-se embaixo os instrumentos da tortura e do martírio.
 
        No interior do templo, do lado esquerdo, surge o painel de "São Francisco diante do Crucifixo", de mãos abertas, aguardando o momento de receber os estigmas. Mais ao centro, do mesmo lado, vêem-se as "Chagas de São Francisco". Na faixa esquerda deste painel vê-se "São Francisco a entrar numa igreja" ,apoiado no seu bordão, e na faixa direita "São Francisco, sentado, lê a Bíblia aberta sobre os joelhos".
 
        Para se avaliar quanto os azulejos enriqueceram a Capela das Almas basta ver, com atenção e interesse, uma das gravuras deste templo, em reboco, sem os azulejos que hoje possui. É um desenho de Victoria Vila Nova, pseudônimo de Joaquim Carvalho, existente na Biblioteca Municipal do Porto. Por esta gravura pode-se verificar que a Capela das Almas, sem os seus painéis, parece não ultrapassar a dimensão artística duma vulgar e humilde igreja das nossas aldeias. Mas com os azulejos a Capela das Almas situa-se, sem favor, ao nível dos ex-libris que possui a cidade do Porto. É na verdade um pequeno-grande templo.    
 
A seguir uma mostra da azulejaria portuguesa na Capela das Almas, Porto, Portugal.

























 

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