Theresa Catharina de Góes Campos

     

     IDIOPATIAS   2

 

    As idiopatias são textos de protestos. Pretendem discutir, apresentar e sensibilizar a quem possa ler, os problemas normalmente encontrados no cotidiano do usuário de serviços na nossa bendita pátria. E dizem respeito ao questionamento de nosso estrutural autoritarismo, quando tornamos uma caricatura os serviços públicos e privados de atendimento ao consumidor. Esquecidos de que democracia não é um termo morto ou folclórico, a ser utilizado como bandeira para cooptar os mais desavisados. Democracia inclui as relações cotidianas entre Estado e cidadão. De como a cidadania é exercida e de que forma, enquanto usuário, ele é atendido pelo Estado ou pelas empresas privadas, como suas demandas são acatadas e respondidas.

 

“ Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português? ”  É um artigo de Ana Maria Campos publicado na Revista de Administração Pública, de fev/abr de 1990. Faz, portanto, 30 anos e o Brasil não parece ter progredido em suas relações com o cidadão.  E ela já escrevia que em nosso país não existe o conceito de accountability, sinônimo de responsabilidade objetiva ou obrigação de responder por algo. Campos explica que Frederich Moscher foi o inspirador de seu estudo e o cita ao explicar que “acarreta a responsabilidade de uma pessoa ou organização perante uma outra pessoa, fora de si mesma, por alguma coisa ou por algum tipo de desempenho”. Ou seja, diz ele: “Quem falha no cumprimento de diretrizes legítimas é considerado irresponsável e está sujeito a penalidades”.

 

Não basta, portanto, o fortalecimento ou aperfeiçoamento das práticas administrativas. É preciso ir além dos controles burocráticos. E estabelecer, objetivamente, na prática cotidiana dos serviços públicos e privados, a responsabilidade objetiva de responder por seus atos. Transformando a aceitação passiva dos cidadãos e a falta de zelo e desrespeito de muitos que se dedicam ao atendimento do público. Trata-se de tornar orgânica a responsabilidade objetiva. Fazê-la funcionar cotidianamente. Campos nos alerta o quanto o conceito tem relação com a prática democrática e valores como igualdade, dignidade humana, participação e representatividade.

 

Na área da saúde, por exemplo, os problemas graves de atendimento continuam: falta de leitos, demasiado tempo de espera nos setores de emergência, consultas rápidas e malfeitas nos ambulatórios. Além disto, a permissiva deterioração física das instalações, prejudicando diretamente pacientes e profissionais. E mais, a grave e permanente falta de remédios nas farmácias públicas, para o atendimento de doentes crônicos. Muitas farmácias sem um exigente e eficiente processo de fiscalização dos serviços e controle dos estoques, necessário para evitar roubos e desvios.

 

Um outro aspecto da questão, é que decisões aparentemente menores, são bem importantes na vida dos consumidores. E embora de iniciativa privada, deveria ser alvo de fiscalização e controle do poder público. Um exemplo: a falta de inaladores simples de plástico para quem sofre de asma. Uma doença séria, que pode ser letal e necessita de tratamento permanente, às vezes duas vezes ao dia, com remédios como Oximax, por exemplo. Os laboratórios não fornecem os inaladores para que tomemos o remédio na caixa de 200 mcg. Somente na de 400 mcg, que tem preço maior. Qual a duração dos inaladores? Na teoria, os inaladores têm uma validade de 3 meses. Depende, no entanto, do estado das molas que furam as cápsulas e da constância do uso. Eles não são vendidos nas farmácias e os médicos ignoram essa dificuldade. Embora tenham coleções deles, dados pelos mesmos laboratórios que os negam aos clientes cuja prescrição é o OXIMAX de 200 mcg. 

 

Tudo o que nos é permitido ver de desmandos e mal atendimento em serviços públicos e privados, é assustador. E as avaliações de Políticas Públicas não podem se deter em parâmetros gerais de resultados ou a partir de controles burocráticos internos e monocráticos. É preciso desvendar como os serviços chegam ao usuário. Ou seja, de que democracia falamos; de como o atendimento se apresenta na prática, quanto à igualdade de condições para todos e o bem-estar do cidadão.  

LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: qua., 26 de fev. de 2020 
 

Jornalismo com ética e solidariedade.