Theresa Catharina de Góes Campos

     
De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: sáb., 18 de jul. de 2020

“BATENDO PERNAS DENTRO DE MIM”

Somente uma alma profundamente lírica, encantadora e encantada da vida é capaz de caracterizar o tempo de pandemia assim: “ Estou batendo pernas dentro de mim mesmo, conversando com os próprios botões e dando volta nos quarteirões de minha alma”. Assim falou o ex Ministro Ayres Britto. O poeta me deixou sem fôlego.

O que estamos fazendo nesta pandemia? Esmiuçando os labirintos de nós mesmos? Observando a intimidade da alma. Entremeando atalhos, brechas, abismos, planícies. Descobrindo coisas. Principalmente as que surpreendem e desnorteiam. As imprevisíveis. Talvez as que deixem maior a distância entre imagem e realidade. E nos fazem sofrer, despertando culpas.

Espreitar a planície que se desdobra ao longo da vida e o pedaço que resta. Espiar, vigiar o tempo. Mesmo na pandemia ele não parece parar. Embora, em certos momentos, nos pareça o contrário. Nós o vigiamos ou ele nos vigia? Quanto nos faltará? Além do caminho já visto? As coisas que nos constituíram, as circunstâncias que formaram a nossa identidade, as marcas que deixamos por tudo quanto conseguimos realizar. Para melhor? Ou não?

Ah! Esses caminhos desconhecidos! Essas voltas do poeta em torno de sua alma! Quem dera as minhas prenunciassem cores vivas de um bom futuro. Como as lembranças da pescaria de siri mole caminhando à noite na lagoa, iluminada pelo fogo dos fachos de palha seca. Ou a paisagem de uma canoa que desliza suavemente por entre as margens, ao cair da tarde. Remar contemplando cada curva do caminho. A do mangue sempre verde onde os caranguejos azuis correm para seus buracos na lama, ao menor ruído ou movimento. Os coqueiros debruçados sob o vento, suas folhas gemendo baixinho, seus troncos tão altos e esbeltos que parece um milagre se manterem de pé. Um pedaço de chão com sua pequena casa de palha, um banco rústico embaixo da janela e uma canoa amarrada a um pedaço de madeira, para não se soltar com a correnteza.

LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO  (07/2020/luiza)

 

Jornalismo com ética e solidariedade.