Theresa Catharina de Góes Campos

     

BARREIRAS INVISÍVEIS

Aylê-Salassié F. Quintão*

  Companheiro inseparável nestes dois anos de confinamento, o vôlei brasileiro venceu o Canadá, a Sérvia, a Itália, a Polônia,  a Alemanha, a Holanda, a Argentina, lidera a Liga das Nações, e se prepara para capitanear também as Olimpíadas, no Japão, daqui, a um mês. Não sai nada nos jornais. Parece ignorado pela mídia impressa. Deve incomodar a muitos assinantes.

A supressão do noticiário sobre o vôlei ignora uma representação do Brasil que reúne alguns dos melhores atletas do mundo e, junto, o papel do cubano Yoandy Leal, naturalizado brasileiro. Dificilmente, sem ele, o Brasil teria alcançado  aquelas primeiras posições no ranking. É invejável a dedicação do Leal à seleção do Brasil. O reconhecimento passa por outro naturalizado, o sérvio Dejan Petkovic, que, nos anos 2000 / 2001, ajudou o Flamengo a ganhar o Campeonato Brasileiro de Futebol. Em geral, fazem opção pela naturalização migrantes exilados, evadidos, expulsos, criminosos e  pessoas que buscam “uma terra na qual emana leite e mel”, como prometia Moisés.

Não sei se Leal e Petkovic são capazes de cantar o Hino Nacional ou se reconhecem, como sua, a bandeira brasileira. Não é um mal em si, mas uma questão de raízes, da condição humana. Stefan Zweig, o escritor austríaco, aparentemente adaptado ao jeito dos brasileiros, inventor da expressão “País do Futuro”, mesmo depois de dez anos por aqui, terminou suicidando-se, ao conviver com a angústia da perda da nacionalidade de origem, após a anexação nazista da Áustria.

Ora, desde que d. João VI resolveu também branquear os brasileiros (como os argentinos, de Sarmiento e Martinez), o Brasil recebeu levas de imigrantes europeus, que fincaram raízes aqui, a maioria por força de uma legislação autoritária.  A naturalização não é algo fácil de ser absorvida . Perde-se a relação com a terra e com a cultura de origem e, supostamente, despede-se das raízes  de nascença.

A história está cheia de casos de imigrantes ou filhos de imigrantes nascidos no Brasil, que por sua origem, costumes ou comportamento eram discriminados pelos brasileiros natos. Alguns retornaram ao país de origem familiar à busca da identidade, mas lá também já não eram aceitos como nacionais. Chegavam a ser vistos como traidores . Socialmente, perdiam os direitos até de uma identidade pátria, de uma naturalidade,  que lhes dava sentido e segurança existencial, para dizer que era a sua. Clarice Lispector, ucraniana de origem, era uma dessas pessoas. Em plena era do Covid e sua hipócrita Comissão Parlamentar de Inquérito, onde a médica imunologista, Nise Yamaguchi, de origem japonesa,  foi visivelmente agredida, o tema é levantado aqui,  no momento em que se comemora no Brasil os 80 anos da imigração nipônica. Um balanço da sua contribuição  parece bastante favorável. No Brasil, eles recuperaram a ideia do trabalho, perdida ao longo da escravidão; trouxeram novas técnicas agrícolas, sobretudo para o solo do cerrado, tido como infértil; e criaram um espaço de acolhimento para brasileiros por lá (dekasseguis).

Ao lado da convivência com a difícil naturalização, é preciso reconhecer a contribuição dessas comunidades nipônicas, alemãs, italianas, polonesas, hoje totalmente indistintas. Ajudaram a enterrar a escravidão e, de certa maneira, as oligarquias tradicionais, modernizando o sistema produtivo, sem conseguir derrubar totalmente esse muro invisível que, por outro lado,  ajudou também a desandar a cultura brasileira, ao provocar uma desqualificação étnica, cultural e até moral.

Entre os que “chegaram aqui de barco”  estava também o ladrão italiano Gino Meneghetti, popularizado, pela imprensa de São Paulo,  como “o Bom Ladrão”.  Meneghetti abriu o caminho para as organizações criminosas estrangeiras. No seu rastro, desembarcaram aqui mafiosos condenados como Tomaso Buschetta, Rocco Morabito, familiares dos Corleones,  o terrorista  Cesare Battisti (revolucionário!!!), o ladrão inglês Ronald Biggs e o médico assassino nazista Josef Mengele. Ninguém abdicou da cidadania de origem. Meneghetti recebia a ajuda dos paulistas e Battisti até a pensão de governos.  É fácil ser admitido como brasileiro. É só casar com uma brasileira e ter filhos. O jornalista norte-americano Glenn reenwald, o mesmo que prometeu acabar – e acabou – com a Lava Jato, fez o mesmo. Casou-se com um brasileiro. Mas como ter filhos ?  Não deixará prole. O momento dele por aqui é só este mesmo.

O balanço dos vícios e virtudes dos naturalizados favorece, entretanto, os imigrantes, sejam eles bolivianos, haitianos, venezuelanos ou de qualquer outra origem. São bem vindas, pessoas como a pesquisadora Nise Sakaguchi, o cubano do vôlei e o bósnio do futebol. Leal tem sido decisivo nas disputas brasileiras da Liga das Nações. Jogou um ano pelo Cruzeiro e se mandou para a Itália. Petkovic´, que de iugoslavo tornou-se sérvio, não. Ídolo do Flamengo, entrosado na vida brasileira é quase um “butequeiro”. Já canta o Hino Nacional sem sotaque. Chegou a ser batizado popularmente como”Rei do Rio”. Todos esses imigrantes têm dado mais para o País que a nossa CPI do Covid. Quantos ela salvou? As exceções entre os estrangeiros são uma fatalidade. A imprensa prefere surfar, a seu modo,  no futebol e na onda pandêmica .
Jornalista e professor
 

Jornalismo com ética e solidariedade.