Theresa Catharina de Góes Campos

     
Os sem pátria : Wir sind Ilegal überall

 
Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*

 
À sombra da invasão da Ucrânia pela Rússia, teve início , na Suíça, o Fórum Econômico Mundial de Davos,  reunindo lideranças políticas, empresariais e intelectuais do mundo, entre elas cinquenta chefes de Estado. A recuperação econômica da Ucrânia - ainda em fase de destruição - é um dos principais temas  a serem abordados. Mas, não fica explícito  a intenção de discutir  uma solução para o reassentamento dos quatro milhões de civis vitimados pela ação militar russa, e refugiados nos países vizinhos . 

 
A necessidade da discussão de uma   política de emigração para o planeta torna, a cada dia, mais premente . Aumenta a olhos vistos o fluxo de pessoas, sem eira nem beira,  com raízes culturais distintas em movimento pelo mundo. Cerca de 175 milhões de pessoas vivem fora das regiões de origem. Em sua maioria, são civis expulsos por guerras fratricidas nos próprios países. A questão é, portanto, emergente, e faz aflorar aspectos ainda pouco conhecidos.  Em terra estranha, e no processo de adaptação domiciliar, esses imigrantes  geram problemas inesperados e  graves para aqueles que os acolhem solidariamente. 

 
Neste texto, vamos esticar um pouco a corda mas, na verdade, não precisamos ir muito longe, porque os problemas da imigração começam a bater nas costas do Brasil.  O Paraguai vem registrando um número pouco comum de imigrantes alemães. Às margens do rio Paraná, consideradas as terras  mais férteis do país, foram instalados núcleos de imigrantes alemães chamados de Hohenau, Obligado e Bella Vista, reconhecidos por todos como  “ As Colônias Unidas”. 

 
A maioria dessa população é constituída de cidadãos alemães , que fugiram da onda de estrangeiros de costumes desconhecidos que vem se refugiando em seus país: turcos, africanos, sírios, árabes, etc. Em 2019, viviam na Alemanha cerca de 11,2 milhões de pessoas com passaporte estrangeiro e 21,2 milhões de pessoas tinham raízes na imigração. Há pouco tempo discutiu-se em alguns países europeus a obrigatoriedade do uso da burca pelas mulheres árabes imigradas, costume desconhecido no Ocidente.

 
- Na Alemanha: fui abordada por um árabe, não sei a nacionalidade, enquanto eu aguardava um ônibus dentro da rodoviária em Dresden. Ele tentou me colocar à força dentro do carro dele. Fui salva por um grupo de aposentados alemães (homens e mulheres) que saíam para uma excursão. O grupo me ajudou, e também chamou a polícia. Então até entendo o medo deles, relata para a rádio BBC de Londres uma jovem  brasileira, Camila. 

 
O problema dos fluxos migratórios pelo mundo apresenta facetas culturais que, as autoridades internacionais, concentradas na reinstalação material  dessas pessoas em movimento,  insistem em desconhecer ou não conhecem mesmo, a começar pelas análises das motivações   que amparam o processo de  emigração. 
 
Alguns analistas internacionais entendem, por exemplo, que, ao invadir a Ucrânia, o que Putin quer mesmo é se apropriar dos portos ucranianos nos mares de Azov e Morto -  Mariupol, Kerson,  Odessa. Já o fez em Sebastopol, na Criméia,  em  Rostov do Don em Kharkov.  O propósito  seria  dispor de uma via direta da Rússia com o Mediterrâneo, para dizer que é só sua. Problema futuro para a Turquia, porque os estreitos de Bósforo e de Dardanelos ficam em seu território, e é por ali que todo esse fluxo marítimo pretendido pelos russos teria de passar.  

 
Mas, à parte as motivações dos senhores da guerra, quase todos bilionários,  uma das marcas  mais  expressivas desses fluxos migratórios situa-se no campo da  política. Um país ou um sujeito que se diz revolucionário  invade a nação do outro  e as populações civis e as oposições internas fogem amedrontadas. Os aeroportos de Barajas, em Madrid, e o Fiumicino, de Roma, todo o dia enfrenta problemas com  o desembarque de fugitivos políticos da Albânia. Em geral, o país mais procurado pela imigração é os Estados Unidos. As pessoas saem da América Central, viajam a pé 3 a 4 mil km,  à procura de trabalho  em território norte-americano.

 
 O problema desses fluxos migratórios é a desumanidade do processo. Ao invadir a Ucrânia com armamento pesado,  Vladimir Putin  revela-se pouco incomodado com o destino das populações civis. No sentido desse barbarismo, assemelha-se à  Josef Stálin, responsável pelo assassinato de fome de milhares de ucranianos. Para Stálin,  "a morte  de milhões era apenas uma estatística". Mesmo com a Rússia expulsa de vários fóruns e conferências  internacionais, a  fuga de  civis da Ucrânia   não parece comover Putin . Seus propósitos são de Estado, e há quem dê legitimidade interna e externamente  à covarde iniciativa .

 
O Presidente russo  não demonstra ter qualquer preocupação com os atingidos pelos bombardeios , muito menos  com os quatro milhões de ucranianos - um grande de número de crianças - que estão sendo obrigados a  abandonar os lares em solo nativo, para morar na rua nos  países vizinhos. Algumas famílias estão desembarcando no Brasil, onde já vivem cerca de 600 mil ucranianos.

 
O Brasil, desde o Império,  tem sido um abrigo sistemático para fluxos migratórios de várias origens.  Os brasileiros receberam, recentemente, os haitianos, vítimas de terremotos; os venezuelanos perseguidos pelos governo de Chávez e Maduro; os hondurenhos, fugindo da política repressiva de Daniel Ortega;  e recebe sistematicamente bolivianos e migrantes de países vizinhos à procura de melhores condições de vida. Em sentido  contrário, existem hoje dois milhões de brasileiros vivendo no exterior por razões diversas.

 
O que é preciso ficar claro para o Fórum de Davos é que não se trata apenas de acolher,  alimentar e  absorver os estrangeiros  no mercado de trabalho.  Os imigrantes, dependendo da procedência, trazem costumes e práticas incomuns para as populações que os acolhem .  Em Boa Vista, a chegada dos venezuelanos gerou uma enorme quantidade de problemas incompatíveis com o modo de vida  da população local.

 
Reconhece-se que Imigração,  legal ou não, é parte da história da humanidade. O Planeta Terra é de todos os seres vivos! Baleias vêm gerar filhotes  na costa brasileira entre julho e outubro. Depois retornam  para a Antártida . E assim vivem  tranquilas desfraldando os mares.  Os  humanos, não. Faz-se questão de atrapalhar a vida do outro, por motivos  fúteis.

 
O que aconteceu em Donbass, Lugansk, Donetsk , Criméia, Geórgia e ameaça as cidades portuárias da Ucrânia, ocupada ao longo dos anos, por cidadãos russos acolhidos  pelos ucranianos,  poderia vir a ocorrer no Paraguai amanhã, tal a quantidade de estrangeiros que está desembarcando no País. A repórter da rádio BBC Mundo, Mar Pichel, investiga as razões por trás desse fenômeno, e mostra  atritos que já acontecem entre a população nativa e os recém-chegados.Wir sind Ilegal überall ("Somos ilegais em todos os lugares"). Cidadãos do mundo. Davos não pode fazer de conta que o problema não existe.
 
*Jornalista e professor
 

Jornalismo com ética e solidariedade.