Theresa Catharina de Góes Campos

     
A Organização de um sistema corrupto

De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: sex., 24 de jun. de 2022
Subject: A Organização

A Odebrecht é uma empresa com uma longa trajetória no país. No entanto, desde 1970 havia acusações de corrupção e superfaturamento. Mas os fatos nunca foram investigados seriamente. Somente em 2015 a força tarefa da Lava Jato desvendou os subterrâneos de um sistema de corrupção estrutural e endêmico, cuja amplitude envolvia empresários, políticos e gestores públicos. Além do controle da Petrobrás por membros da classe empresarial. Na época, a Odebrecht “rivalizava em prestígio e poder com os gigantes da indústria e do mercado financeiro”. Com recordes de lucratividade e quase 200 mil funcionários. (Gaspar, Malu, A Organização, 2020).Com o trabalho investigativo da Lava Jato a verdadeira face da empresa vem à público. O controle que exercia sobre o Estado, a subserviência de políticos às contribuições para as campanhas eleitorais, o financiamento de um trabalho legislativo voltado para criar condições de favorecimento aos seus negócios tais como isenções, subsídios, financiamentos, etc. E uma estrutura administrativa, exclusivamente montada, para operacionalizar a adesão facilitadora aos negócios da Odebrecht: o Departamento de Operações Estruturadas. Um nome pomposo para uma atividade espúria: administrar as propinas que facilitassem os negócios da empresa.Ou seja, a sadia competitividade do capitalismo se transformava em relações ilegítimas, ilegais de compadrio. Para enriquecimento dos envolvidos e depreciação da vida dos menos favorecidos, com aprofundamento da desigualdade social. O dinheiro que foi desviado para a corrupção faltou para as Políticas Públicas e o bem-estar da população. Nós pagamos, diretamente, o valor desviado para os bolsos dos corruptos.Segundo Malu Gaspar em seu livro “A Organização – a Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo”, o Presidente da empresa, Emílio, lidava com certas preocupações em relação à greve dos petroleiros de Camaçari em 1985. O que intervinha diretamente nos planos de diversificação da empresa, em formar uma cadeia de produtores de insumos petroquímicos. Então, Mário Covas perguntou a Emílio se ele conhecia o Lula. Um líder sindical ativo e respeitado, em luta sindical desde 1978 na greve dos metalúrgicos. Covas e Lula haviam trabalhado pela eleição de Fernando Henrique Cardoso para o Senado. Em 1985 Covas apresentou Lula a Emílio com o objetivo de ajudar o empresário em relação aos conflitos sindicais.

O encontro durou nove horas de muita conversa, no qual os dois se deram muito bem. Ao final, Lula prometeu ajudar, tentando um acordo com os sindicalistas. A partir de então, nas décadas posteriores, eles se encontraram pelo menos três vezes ao ano. Emílio sempre preocupado em catequizar o companheiro sobre as coisas do Estado. E a empresa passou a contribuir para todas as campanhas do PT, embora essa relação tenha permanecido “clandestina durante anos.” Em público, afirma Malu Gaspar, Lula não só não admitia o relacionamento com a empresa, como afirmava detestá-la.

Um fato curioso é que havia um funcionário da empresa encarregado de pastorear o Lula: era o senhor Alexandrino Alencar. Uma espécie de amigo e auxiliar, provavelmente visando uma aproximação mais estreita, caso o metalúrgico viesse a se tornar Presidente do Brasil. Em conversa com Lula, Alexandrino disse que precisava de uma pessoa para lidar com os sindicatos. E Lula indicou Frei Chico, seu irmão, que é em seguida contratado pela Odebrecht. Ele já fora contratado por outras empresas. “Sempre que havia insatisfação, reivindicação ou greve em qualquer de suas plantas petroquímicas, a Odebrecht acionava o irmão de Lula, que dava um jeito de se aproximar dos operários – naturalmente sem dizer que estava a serviço da empreiteira”. (pag.113)

Frei Chico foi colocado na folha de pagamento da Odebrecht. E foi afastado em seguida, quando seu irmão foi eleito presidente da República. No entanto, segundo Malu Gaspar: “Ficou acertado que o irmão do Presidente não precisaria fazer mais nada, e ainda assim receberia 9 mil reais a cada três meses, sempre em dinheiro vivo, providenciados pelo Departamento de Operações Estruturadas, que cuidava dos pagamentos no Caixa Dois”. Mais adiante a autora esclarece: “A ajuda a Frei Chico duraria doze anos, e só seria encerrada depois da Lava Jato”.(pag. 114).

Diante de tais fatos é imperativo perguntar: como a Operação Lava Jato, que descobriu tanta coisa, arregimentou tantas provas, colheu tantos depoimentos, se tornou um alvo tão fácil para a “elite” política, judiciária e empresarial do país? Que acabaram com a estrutura da Operação? E ainda quiseram processar os investigadores e o juiz responsável? Tudo começou com o site que levou a público conversas privadas dos promotores e do juiz Sérgio Moro. Quem pagou por isso? Alguém tem dúvida? Todo o dinheiro devolvido pela Lava Jato aos cofres públicos foi ignorado. Assim como se colocou uma cortina de fumaça nas espúrias e perversas relações entre empresários, políticos, justiça e gestores públicos. Tomando de assalto o Estado brasileiro para servir a seus propósitos de enriquecimento ilícito.

No entanto, o panorama que continuamos a ver parece sugerir, com as honrosas exceções das empresas sérias, que no Brasil há menor competitividade quanto a eficiência, redução de custos e qualidade de produtos e serviços. Ainda vivemos a época de “compra” de contratos, submissão do Estado aos grupos dominantes, superfaturamentos, controle dos empresários sobre a “elite” política e a Justiça. Ainda vivemos uma corrupção estruturada, endêmica, que se repete em municípios e estados. Em obras federais, estaduais e municipais. E o comprometimento com essa situação é tão grande, que muitas pessoas ainda ousaram colocar na Lava Jato a culpa pelos problemas decorrentes da corrupção nas empresas.

Diante das narrativas de amizade e relações íntimas entre líderes sindicais e grandes empresários, com as benesses incluídas, é possível acreditar nessas lideranças e que o povo é o sujeito de nossahistória? ( 06/2022/luiza)

PS: O livro “A Organização – a Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo” tem 619 páginas de uma escrita leve, objetiva e fácil de ler. A autora fez uma exaustiva pesquisa, tendo como ponto de partida as delações da empresa. Ela afirma: “Ao longo de três anos, ouvi pouco mais de 120 pessoas, entre executivos e familiares, delatores, concorrentes, parceiros de negócios, políticos, advogados e investigadores de variadas instâncias.” Malu fez dupla e tripla checagem com novas entrevistas, nas cerca de duzentas horas de depoimentos gravados pelo Ministério Público e Polícia Federal e nas consultas em centenas de páginas de documentos.

LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO <luizaccardoso@gmail.com>

24 de jun. de 2022

 

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