Theresa Catharina de Góes Campos

ADEUS    DRAGON   INN

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atalanta filmes apresenta
 

ACTORES E TÉCNICOS

 

Produtor

LIANG Hung-Chih

 

Produtor Executivo

TSAI Ming-Liang

 

Com

LEE Kang-Sheng – CHEN Shiang-Chyi – MITAMURA Kiyonobu- MIAO Tien

SHIH Chun – YANG Kuei-Mei – CHEN Chao-Jung – LEE Yi-Cheng

 

Argumentista

TSAI Ming-Liang

 

Director de Fotografia

LIAO Pen-Jung

 

Director de Iluminação

LEE Lung-Yu

 

Design de Som

DU Tuu-Chih

 

Som

TANG Hsiang-Chu

 

Montagem

CHEN Sheng-Chang

 

Director Artístico

LU Li-Chin

 

Guarda-roupa

SUN Huei-Mei

 

Fotógrafo de Cena

LIN Meng-Shan

 

Assistente de Realização

Vincent WANG

 

Taiwan | 2003 | 82’ | Cor
 

 

SINOPSE

Na última noite antes de um velho cinema fechar uma jovem japonesa corre para o cinema, mesmo apesar da chuva. O cinema parece deserto, sem vida. Mas, no entanto, há algumas pessoas, algumas talvez não sejam pessoas...

Uma arrumadora coxa e um jovem projeccionista trabalham no cinema, mas nunca se encontraram. Todos os dias, até à última noite, a arrumadora procura o projeccionista na cabine de projecção, mas ele nunca está. Ela olha uma última vez e continua à sua procura pelos corredores da sala de cinema labiríntica. Mas continua sem o encontrar.

Quando o filme termina, as pessoas saem e a porta fecha-se... Mas o jovem projeccionista repara que a arrumadora se esqueceu do termo da comida, por isso resolve ir à sua procura...

Antes da sessão terminar, no ecrã gigante é projectado um filme de há 36 anos chamado “Dragon Inn”.

Um jovem japonês que veio até ao cinema à procura de outros homossexuais choca com alguém que se parece imenso com o espadachim do ecrã. No entanto, agora são velhos, sentados na sala escura e vazia, olhando o seu próprio filme. Choram...

Serão reais ou apenas espíritos que não querem partir?...

 

ENTREVISTA – TSAI MING-LIANG

 

Porque decidiu fazer este filme e porque escolheu este antigo cinema?

Sonho muito com cinemas destes. Em Kuching, na Malásia, onde nasci e fui criado, havia sete ou oito salas de cinema deste género. O meu avô começou a levar-me ao cinema quando tinha três anos.

Lembro-me de um cinema chamado Audien. O tecto era altíssimo, tinha mais de mil lugares e cortinas que esvoaçavam... O arrumador do Audien era um homem coxo. Normalmente, a partir de uma certa idade os rapazes têm de começar a pagar bilhete. Mas, por maior que eu fosse, o meu avô pagava apenas o seu bilhete e entrava comigo, mesmo estando o arrumador a ver. Ele tinha um ar mau e eu tinha medo dele...

Actualmente essas grandes salas de cinema desapareceram. Há mais de vinte anos. Mas eu continuo a sonhar com elas. O que é estranho é que nos meus sonhos, às vezes, continuo a ver o Audien.

Durante a rodagem de “Et lá-bas quel heure est-il?” precisava de filmar algumas cenas num cinema. Nos arredores de Yung-Ho, onde vivia, encontrei o cinema Fu-Ho que me parecia tão familiar.

Três meses depois da rodagem, o cinema fechou. Um dia, cruzei-me com o dono que me disse que o iam deitar abaixo. Virei-me imediatamente para o meu produtor e perguntei-lhe se tínhamos dinheiro para o alugar. Ele perguntou-me porquê e eu respondi: “Para fazer um filme”.

Pensando agora nisso acho que aquela velha sala de cinema me chamou e pediu para eu a filmar.

 

DRAGON INN tem um papel muito importante no filme. O título do seu filme é precisamente ADEUS, DRAGON INN. Porquê?

Por causa de MIAO Tien. DRAGON INN é o primeiro filme de MIAO Tien. Também foi ele o revisor do argumento. Pode imaginar o quando era entusiasmante naquela época. Por sorte e coincidência, quando envelheceu, tornou-se nos meus filmes no pai de Hsiao Kang. Em “Et lá-bas quel heure est-il?” o pai morre. E imensas pessoas me perguntavam se ele não ia voltar a aparecer nos meus filmes. Eu respondia sempre que não, mas acrescentava que “havia fantasmas”. A minha ideia original era filmar uma história de fantasmas na velha sala de cinema. Por isso pensei: “Se MIAO Tien é um fantasma, que filme iria ele ver ao cinema? – Não seria o seu filme, DRAGON INN?”

Vi DRAGON INN quando tinha onze anos. Foi um grande sucesso, bateu todos os recordes. Foi também um dos mais impressionantes filmes de artes marciais das centenas que vi quando era miúdo. O som da flauta sempre me fazia sentir a solidão do mundo das artes marciais. Nos outros filmes de artes marciais há pessoas a voar, saltar e trepar parecdes. Mas só King HU deixava o seu espadachim andar numa paisagem solitária. Alguns acham que ele fez uma escolha difícil na realização, mas eu nunca esquecerei clássicos como DRAGON INN, “Come Drink with me”, “A Touch of Zen”, “The Valiants Ones”, “The Fate of LEE Khan” e “Raining in the Mountain”...

Para mim ele foi um mestre.


 

 

Quis ter no filme o actor SHIH Chun...

SHIH Chun era o protagonista de King HU. Por coincidência, DRAGON INN foi o primeiro filme de SHIH Chun e MIAO Tien. SHIH Chun tornou-se num herói lendário, enquanto que MIAO Tien foi o típico vilão. No ecrã, lutavam até à morte, mas nos bastidores SHIH Chun tratava MIAO por professor. MIAO tinha-lhe dado aulas de actor. Trinta e seis anos depois de DRAGON INN o filme continua a mostrar o mesmo charme e essência dos dois. O filme conservou-lhes a juventude e tornou-os lendas.

Em 2002, encontrei SHIH Chun pela primeira vez num encontro. E logo no primeiro encontro senti que o conhecia desde sempre. Tivemos conversas fabulosas. Na altura, ainda não sabia que ia fazer este filme. Acho que tudo estava predestinado.

 

Então ADEUS, DRAGON INN é de certa forma um filme nostálgico? Até usa uma velha canção no fim do filme...

É “Can´t let go” de YAO Lee. É uma canção muito famosa. Toda a gente a conhece. O compositor, HATTORI Ryoichi, um japonês, era muito conhecido nos anos 50 e 60 em Hong Kong. Também escreveu muitas canções pop que toda a gente canta. As letras era escritas por CHEN Dea-Yi, que escreveu “Lover’s Tears”, o meu clássico preferido. YAO Lee dominou os anos 30 e 40 em Xangai e os anos 50 e 60 em Hong Kong. Ela era a sensação. Gravou imensos discos. Também deu voz a vários filmes e diziam que tinha a voz de um anjo. Quando falamos de YAO Lee, temos também de falar no irmão, YAO Ming, um conhecido compositor.

Nos anos 40, os filmes estrangeiros começaram a estar na moda em Xangai. YAO Ming ouvia os negros cantar e compunha canções com o mesmo sabor para YAO Lee. Ela tinha de cantar de forma mais dura e com um toque a ocidente. Mais tarde, começou a cantar como Patti Page, era o seu ídolo, imitava a sua forma de cantar e as suas emoções... YAO Ming foi um compositor famoso, escreveu um sem fim de canções. Depois da sua morte, YAO Lee não ligou a rádio durante três anos, porque sempre que a ligava estava a passar uma das canções do irmão.

Estas músicas fazem parte da minha juventude. E mesmo agora continuo a ouvi-las. Isso é nostálgico? Não sei... Sei apenas que ninguém tem o poder de trazer de volta o passado, uma era ou a juventude. Nem ninguém pode impedir uma velha sala de cinema de ser demolida. O mundo anda depressa. As pessoas agora ficam contentes por ver DVD em casa ou surfar pelo mundo através da internet. Mas lembram-se das noites nos cinemas, em que milhares de pessoas se sentavam juntas, riam juntas, choravam juntas. Até o mais pequeno movimento fazia mover o coração...

O cinema em que filmei, depois de perder a popularidade tornou-se um encontro de homossexuais. Isso comoveu-me de certa forma. Depois de ter perdido o brilho e todos se terem esquecido dele, continuou a sua jornada e acolheu os marginais da sociedade, os velhos, a rapariga coxa, os fantasmas solitários e os espíritos... Até ser demolido e desaparecer. Isso era o que queria mostrar.

 

entrevista por CHANG Jinn-Pei

 

CRÍTICAS

 

O maior cinema de todo o mundo chamava-se Roxy. Estava situado em Nova Iorque, tinha 6214 lugares e 300 empregados e fechou em 1960, vítima do advento da televisão. O velho e enorme cinema de Taipé, onde Tsai Ming-Liang ambientou o seu novo filme, GOODBYE, DRAGON INN, tem também alguns milhares de lugares, embora estejam quase todos vazios durante as sessões, e já só existem dois empregados. Uma bilheteira e arrumadora coxa e um jovem projeccionista.

O cinema está igualmente à beira de fechar, e o último filme em cartaz é um clássico de artes marciais de Hong Kong, realizado por King Hu, Dragon In (Hu é um grande favorito de Ming-Liang). A gigantesca sala escura, os longos corredores mal iluminados, as casas-de-banho desertas, os recantos cheios de caixas de pó, são percorridos apenas por um punhado de homossexuais em busca de companhia, ou por um ou outro espectador solitário. E por alguns fantasmas, que no escuro podem ser confundidos por homossexuais ou espectadores, e que podem bem ter saído da tela.

GOODBYE DRAGON INN é o anti-Cinema Paraíso. Onde o filme de Giuseppe Tornatore é hemofílico de cinefilia sentimentalona, o de Tsai Ming-Liang vai pingando uma tristeza difusa e sem ilusões, acentuada pelos rigorosos e prolongados planos-sequência característicos do realizador, que tira o máximo efeito visual – e emocional – dos enormes espaços vazios, ensombrados e decadentes do cinema.

A sala velha vai fechar, não haverá mais filmes, os fantasmas vão desvanecer-se, a bilheteira e o projeccionista ficarão desempregados e todos os que mantiverem o cinema aberto. A certa altura, um dos espectros, um homem de idade, começa subitamente a chorar durante uma das cenas de acção do filme de King-Hu. O actor está a ver-se a si mesmo na tela, porque faz parte do elenco de Dragon In, o primeiro filme da sua carreira. Ming-Liang foi buscá-lo de propósito, para lhe prestar homenagem.

Tsai Ming-Liang diz que é impossível reviver a felicidade que sentimos nos grandes cinemas da nossa juventude, sozinhos ou acompanhados pelos nossos realizadores favoritos. Podemos só evocar melancolicamente essa felicidade perdida e lamentar que o presente já não seja assim.

Eurico de Barros, Diário de Notícias

 

 

Em GOODBYE DRAGON INN, de Tsai Ming-Liang, entramos na última sessão de cinema. A plateia, quase deserta, assiste a um clássico de kung-fu: Dragon In (1966) de King Hu. Nessa plateia, um rapaz japonês procura qualquer coisa.

Trinta anos depois da morte de John Ford, Veneza exibiu uma obra-prima que, tal como os últimos filmes de Ford, transporta a utopia do cinema para um território extinto, para uma comunidade destruída que só o espectador poderá reinventar. Sozinho. Um filme como o de Tsai Ming-Liang dá-nos espaço de manobra para descobrir heróis ambíguos.

Francisco Ferreira, Expresso

 

GOODBYE DRAGON INN podia chamar-se também “A Última Sessão”, para citar o título do filme de Peter Bogdanovich que assinalava o fim de um tempo, o do cinema clássico americano.

Em pleno temporal, um jovem japonês refugia-se num velho cinema de Taipé, que nessa noite irá encerrar as suas portas. Espreitando através das cortinas, o filme em exibição é “Dragon Inn”, um clássico de artes marciais – a sala está quase vazia, e os espectadores, quase todos homens, estão sempre em trânsito, numa dança de cadeiras.

É um filme assombrado pelas memórias de infância do realizador, do tempo em que o avô o levava ao cinema. Tsai Ming-Liang viu “Dragon Inn”, que foi um êxito em 1967, aos 11 anos e nenhum outro filme de artes marciais o marcou como esse. Contou ele que, em todos os outros, as personagens voavam pelos telhados e subiam pelas paredes, mas King-Hu, o realizador de “Dragon Inn” (cineasta que marcou a memória da “nova vaga” de realizadores de Hong Kong e Taiwan revelada nos anos 80), era o único que permitia que o seu herói caminhasse em direcção ao horizonte, desvanecendo-se na solidão da paisagem. Como num “western”.

Mas GOODBYE DRAGON INN também é um filme assombrado porque é um filme de fantasmas. O cinema é um lugar de visões e, por isso, o protagonista começa a ver entre os espectadores, os actores de “Dragon Inn”, mais velhos. “Sabe que este lugar é assombrado?”, pergunta-lhe um deles. Não era preciso tanta explicitação, porque, desde o início, o cenário é de abandono e os corredores câmaras de eco por onde vagueia uma jovem empregada coxa, fazendo ressoar pelo edifício os passos mecânicos da sua bota ortopédica. Filme de terror, portanto, e mais memórias: num dos cinemas que Tsai Ming-Liang frequentava em criança, o homem da bilheteira era coxo e metia medo...

É um objecto nostálgico, o canto do cisne de uma época: lá para o fim, os dois actores de “Dragon Inn” – são mesmo eles, herói e vilão, Shih Chun e Miao Tien, sendo que o segundo já interpretara uma figura paterna em “Et lá-bas quel heure est-il?” – hão-de encontrar-se, para lamentar que “já ninguém vem ao cinema”.

Tsai Ming-Liang descobriu o “décor” para o filme quando estava a rodar o anterior, para o qual precisava de algumas cenas num cinema. Três meses depois de terminar as filmagens, a sala fechou. Ming-Liang resolveu alugá-lo para rodar GOODBYE DRAGON INN. Que é um tributo, mas a singulariedade do trabalho do cineasta não permite que se fique por um qualquer “cinema paraíso”. O que encontramos em GOODBYE DRAGON IN é um espaço habitado por “zombies”. O cineasta retoma aqui a marca comum a toda a sua filmografia: uma coreografia do desespero e de irredutível solidão. Os corpos tocam-se – o velho cinema é também um local de engate gay, - mas nunca se encontram. A empregada coxa procura o projeccionista (Lee Kang-sheng, o corpo fétiche do cinema de Tsai Ming-Liang), mas só descobre ausência. São fantasmas.

Kathleen Gomes, Público

 

Um filme que confirma Tsai Ming-liang como um dos realizadores asiáticos mais apaixonantes dos últimos anos.

Olivier De Bruyn,  Le Point

 

Um filme nostálgico de uma grande beleza plástica. É solene como uma cerimónia de despedida. No último plano magistral, acompanhado por uma canção melancólica, Tsai Ming-Liang mostra mais uma vez num instante frágil e poético que o cinema pode preencher a solidão irremediável da existência humana.

Florence Colombani, Le Monde

 

Um filme soberbo com uma tristeza visceral e uma beleza devastadora.

Romain Le Vern, aVoir-aLire.com

 

Uma ode cheia de esplendor à sétima arte.

Jérôme Provençal, Les Inrockuptibles

 

Este filme é um adeus de uma execução orgulhosa. Violentamente poético, está inundado por essa via electrizante própria das obras-primas.

Stéphane Piatzszek e Olivier Seguret, Libération

 

O realizador confirma que é um dos mais dotados da nova geração de Taiwan.

Pierre Langlais, L'Humanité

 

Tudo o que dá valor ao cinema, tudo o que projectamos no ecrã do desejo, de recordações e esquecimento realizado de forma esplêndida e depurada, e também com humor.

Jacques Morice, Télérama

 

Um dos cineastas mais dotados de hoje em dia. Uma homenagem nostálgica ao cinema.

Pascal Mérigeau, Le Nouvel Observateur

 

Um belo filme sobre a procura do amor e do reconhecimento através das cores do cinema.

Jean-Christophe Ferrari, Positif

 

Situado algures entre um Beckett asiático e um Antonioni frio, um filme que toca pela força sugestiva da sua realização.

Olivier de Bruyn, Première

 

Filme hipnótico, fantasmático, quase mudo, triste e melancólico.

Christophe d’Yvoire, Studio Magazine
 

Jornalismo com ética e solidariedade.