Sabedoria é visão e solidariedade

Theresa Catharina de Góes Campos , articulista, jornalista, escritora e professora universitária

BRASÍLIA - Considerando-se a criatividade como um recurso humano multiplicador e crítico, compreendemos que, ao comentarmos sobre alguém "de visão", estamos reconhecendo a sua capacidade para agir no presente com perspectivas futuras. Os indivíduos que se destacam, em sua comunidade, por esse conhecimento muito especial, na realidade atuam regularmente com padrões tridimensionais, pois se fundamentam nas lições do passado, próximo e remoto.

Em contato com uma realidade limitada, insistem em examiná-la até descobrirem o seu potencial de transformação e os instrumentos de mudança que deverão ser utilizados, em sua dinâmica e seu contexto específicos. Ao contrário do que pensam os conformistas, eles não vivem loucamente "em outro mundo": pelo contrário, inseridos na sociedade, não se deixam por ela dominar, conservando, portanto, a sua liberdade para enxergar alternativas

que consideram superiores. Assim, ao invés de prisioneiros de estruturas com as quais não concordam, mostram-se capazes de visualizar, às vezes com antecedência de séculos, o mundo que vale a pena ser construído. Felizmente, com esta visão interior que mantêm de forma permanente diante de seus olhos (abertos ou fechados), já começam a construí-lo, sozinhos ou com a ajuda de seus companheiros.

Os artistas das cavernas pré-históricas, por meio de suas pinturas rupestres, transmitiram às gerações futuras um testemunho de sua vida primitiva: máscaras, atividades culturais e de sobrevivência. O fato de que não dispunham de escrita não se constituiu um impedimento a que buscassem, de algum modo, um instrumento de comunicação. O teatro grego da Antiguidade Clássica, com personagens da mitologia, destacou a figura de um cego, Tirésias, porque a sua sabedoria lhe dava uma visão mais profunda: conhecia a tragédia pessoal de Édipo, assim como os desígnios do poder divino; não se deixava intimidar pelo fausto e poder humanos; não hesitava em advertir, revelar, profetizar. Na Idade Média, os monges copistas que trabalharam humilde e exaustivamente, para que a cultura greco-romana fosse preservada para os leitores dos séculos seguintes, demonstraram compreender a importância das obras de artistas, filósofos e estudiosos.

Leonardo Da Vinci, quando morreu, no ano de 1519, legou à humanidade não somente a excelência de suas pinturas, como também, inventos científicos os mais diversos. Na literatura, os romances de Jules Verne deram a seu público o encantamento de viajar em balões, descobrir o espaço, descer ao fundo do mar, lutar contra perigos com recursos tecnológicos e dispor da televisão muito antes dessas técnicas fazerem parte do cotidiano da sociedade.

Felizmente as dificuldades do ensino não desanimaram a poetisa e professora chilena Gabriela Mistral, cujas obras foram homenageadas com o Prêmio Nobel. Ainda bem que os rostos marcados pela fome e a miséria de multidões animaram mulheres de visão, como Madre Teresa de Calcutá e Irmã Dulce, a devotarem tempo e esforços ao bem-estar desses marginalizados porque desamparados. Em qualquer comunidade, pessoas com essa força interior para buscar soluções (trabalhando com situações consideradas, no mínimo, dificílimas) deixam um exemplo a ser seguido. Aliás, caso nos falte coragem para tanto amor ao próximo, não sejamos omissos: ofereçamos o auxílio que nos for possível proporcionar.

Em todas as áreas profissionais, a atuação de indivíduos capazes de pensar e forma abrangente, em profundidade, resultará em benefícios superiores aos obtidos por aqueles acostumados a repetir ou reproduzir sem pensamento crítico. O objetivo primordial de todo processo de educação, seja informal ou acadêmica, deve ser, de fato, adquirir esse conhecimento lúcido, inquiridor, criativo, numa atitude de permanente atualização e busca de aperfeiçoamento individual e coletivo.

Esclarecidas e conscientes, as pessoas de visão jamais se acomodam, mesmo quando aceitam e acatam; com tranqüilidade ou numa "santa agitação" justificada pela urgência, estão sempre enfrentando novos desafios, sem esperar que os outros se dêem conta e tomem as suas decisões. Se o grupo se apressa, aquele determinado a refletir sobre as implicações talvez se reserve o direito de ficar na retaguarda, analisando o passado, repensando o presente, preparando-se para o futuro.

Quando muitos se refugiam na inércia, os sábios percebem os absurdos de tal alienação e, decididos, justificados por sua visão tridimensional, não-limitada e não-alienada, gesticulam, falam, escrevem, atuam, como a impulsionar a roda que parece estar presa ao chão. Afinal, suas mãos estão guiadas por olhos permanentemente fitos nas estrelas do amanhã desconhecido, mas libertador. Visão pioneira e desbravadora, capaz de forjar o porvir!